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terça-feira, 30 de agosto de 2011

CÓDIGO DE CONDUTA E O REGULAMENTO DE DISCIPLINA DA POLÍCIA NACIONAL


Horácio Lembe[1][2]
Resumo

A necessidade em reforçar a educação jurídica no seio dos efectivos da Polícia Nacional, levou-nos a fazer um enquadramento analítico do Código de Conduta Para Os Funcionários Responsáveis Pela Aplicação da Lei ao Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, a fim de comprovar a pertinência da sua existência como um decreto que obedece pressupostos de relevância jurídica, disciplinar e deontológica; pela forma como define as competências, legitimidade e parâmetros de acção da actividade policial. Contrariando as especulações que qualificam-no como um documento aleatório e extemporâneo.


Palavras-chave:
Código de conduta, aplicação da lei, regulamento de disciplina, Polícia Nacional.

Abstract
The need to strengthen legal education of staff within the National Police, led us to make an analytical framework of the Code of Conduct for Law Enforcement Act of the Rules of Discipline of the National Police in order to prove the relevance of its existence as a decree that obeys assumptions relevance of legal and ethical discipline, by the way defines the powers, legitimacy and parameters of action of the police activity. Contrary to speculation that qualify it as a random document and extemporaneous.

Key words
Code of conduct, law enforcement, regulation of discipline, the National Police.



Introdução


Partindo do pressuposto de que os polícias são agentes que velam pela manutenção e salvaguarda da lei, protegendo e servindo a sociedade. Prontamente, averiguámos a necessidade deste grupo social ter o domínio eficaz do Código de Conduta Para Os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e do Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, por serem duas ferramentas indispensáveis para o bom exercício das funções e deveres policiais e facilitarem a criação de um clima de confiança entre a polícia e o cidadão.

A presente comunicação apresenta dois pólos de abordagem e procura fazer a simbiose entre uma norma primária e outra norma secundária, com o intuito de constatar os níveis de convergência entre pressupostos defendidos por uma e outra norma, respectivamente. Neste âmbito, a medida que formos nos debruçando sobre o Código de Conduta, faremos o enquadramento de algumas das suas cláusulas ao Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional (RDPN), realçando algumas particularidades da Constituição da República de Angola e do Estatuto Orgânico da Polícia Nacional, por serem dois documentos importantes que consagram a existência da Polícia Nacional Angolana e dão sustentabilidade a sua existência como instituição responsável pela garantia da ordem e tranquilidade públicas. Esta análise visa comprovar que muitas cláusulas defendidas pelo RDPN, são provenientes de algumas normais internacionais, aprovadas em Assembleias Gerais das Nações Unidas e que procuram regular a actividade dos agentes da lei, provando que o RDPN não é um documento aleatório e extemporâneo, mas sim, um decreto que obedece determinados pressupostos de cunho jurídico, disciplinar e deontológico.
 
A comunicação em questão tem como objectivos: Divulgar o Código de Conduta e Reflectir em torno dos seus artigos, enquadrando-nos no Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional.

Capítulo I – Abordagem Conceptual

1.1           Código de Conduta

A expressão Código de Conduta, por um lado, é o documento que integra o conjunto de princípio e de valor de natureza ética e deontológica que deve ser reconhecida e adoptada por todos os funcionários no desempenho das respectivas funções profissionais, por outro lado, constitui uma referência de consulta ao público no que respeita aos padrões de conduta dos funcionários no seu relacionamento com terceiros, por forma, a incentivar a criação de um clima de confiança entre as partes interessadas.

Em suma, O Código de Conduta Para os Funcionários Responsáveis Pela Aplicação da Lei pode ser entendido a partir da seguinte ambiguidade; primeiro, é o conjunto de princípio que visa pautar o comportamento dos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei; segundo, é uma referência de consulta ao público no que respeita aos padrões de conduta dos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei.  

1.2           Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei

A expressão Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei é entendida como todos os agentes da lei, quer sejam nomeados, indicados ou eleitos, desde que exerçam poderes de natureza policial ou semelhante.

Os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei são: juízes, advogados, procuradores, agentes polícias, guardas, militares, efectivos da Segurança do Estado, dos Serviços Prisionais, dos Serviços de Emigração e Estrangeiros e dos Serviços de Contra Inteligência. Todos estes fazem parte do agregado dos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, nos seus respectivos organismos e no exercício das suas funções.

Criou-se tal expressão por ser abrangente e adaptar-se a qualquer realidade, mas atendendo a complexidade das várias funções desempenhadas pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, limitamo-nos somente na índole policial.

1.3           Lei

Suponhamos que um agente da lei interpela um cidadão e por força das circunstâncias, toma atitudes drásticas para manter a autoridade, dando cumprindo a determinada norma jurídica ao pé da letra, o cidadão agastado com a situação e em forma de protesto reclama: O senhor agente não pode ser e nem deve agir assim! Não! Assim não! Eu conheço a lei! – O agente espantado com tal reacção, pergunta-lhe: Conheces a lei, então diga-me: O que é a lei? E o que a lei adverte em relação a este caso? – Claro, há vezes em que, o cidadão fica calado sem saber o que responder e como responder. Entretanto, já que estamos a nos referir em lei, vamos lá tentar defini-la.      

Em nosso entender e simplificadamente, a lei é o sistema de normas jurídicas de carácter imperativo que visa pautar comportamentos de uma comunidade ou sociedade.

O que são normas jurídicas?

São comportamentos típicos que prescrevem sanções para aqueles que às transgridem, por outras, normas jurídicas são conhecimentos sistematizados que obedecem determinados pressupostos, elaborados por juristas, onde algumas vezes são coadjuvados pelos antropólogos, sociólogos, etnólogos, psicólogos, historiadores e linguistas; posteriormente, são aprovados por políticos em Assembleia ou em Conselho. É importante realçar que os efectivos da Polícia Nacional, das Forças Armadas, dos Serviços Prisionais, de Emigração e Estrangeiros, de Contra-Inteligência, entre outros; não criam leis. Estas instituições velam pela aplicação e fiscalização da lei, por fazerem parte do aparelho repreensivo do Estado. São essas instituições que exercem a coerção directa sobre o cidadão, para que este cumpra a lei na verdadeira ascensão da palavra.

Porquê a lei tem o carácter imperativo?

Porque a lei não pede favores a fulanos, sicranos e beltranos: por favor me cumprem, me obedecem e me acatam. A lei é revestida de imperatividade. A imperatividade indica a possibilidade de imposição por meio da força. A imperatividade é aplicada de forma unilateral, não depende da vontade do infractor, mas, depende de quem a faz cumprir.

Qual é a diferença entre comunidade e sociedade?

Comunidade: “é formada por pessoas unidas por laços naturais ou espontâneos, assim como por objectivos comuns que transcendem os interesses particulares de cada indivíduo”. [TONNIES, Apud ROCHER, 1999: 46-47].

Sociedade: “(…) em contrapartida, as relações entre as pessoas estabelecem-se na base dos interesses individuais, são portanto relações de competição, de concorrência ou pelo menos relações sociais com um cunho de indiferenças relativamente aos outros”. [Idem].

Em suma, as comunidades e as sociedades humanas têm as mesmas características: todas elas são formadas por aglomerados populacionais ou melhor grupos sociais, algumas delas partilham uma mesma cultura, de igual modo têm um estilo próprio de vida e maior parte delas habitam num determinado espaço geográfico[3], mas, a grande diferença existente entre a comunidade e a sociedade reside no tipo de relação social que se estabelece entre as pessoas. Enquanto na comunidade as relações sociais são feitas mais na base de laços naturais e afinidades entre os seus membros, nas sociedades as relações sociais são feitas na base de interesses individuais e de competição entre os seus membros. Por exemplo: se na comunidade um individuo abater um veado, moralmente, este indivíduo sente-se obrigado a repartir o que tem com os outros membros da comunidade, ao passo que se na sociedade um individuo abater um veado, este mesmo indivíduo é capaz de não repartir ou compartilhar com ninguém, a não ser, encher a sua arca e demonstrar aos vizinhos que ele está bem e não passa fome. Para não fugirmos do assunto, importa dizer que este exemplo surge apenas para demonstrar que a lei é aplicada quer na comunidade, como na sociedade; não importa o tipo de relação que as pessoas têm, o mais importante é as pessoas cumprirem a lei, quer numa como noutra realidade.    

Há que se ter em atenção que quando fala-se em justiça, aparece sempre uma balança a balancear o que é justo e o que não é justo. É por este motivo que se tem dito que a lei tem duas finalidades: uma é de obediência às normas vigentes e outra é de punição caso transgredirem-se às normas.

1.4           Abordagem Histórica sobre o Código de Conduta
No dia 17 de Dezembro de 1979, a Assembleia Geral das Nações Unidas na sua 106ª sessão plenária aprovou o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, através da resolução n.º 34/196, este mesmo Código, estabelece que “(…) Todos aqueles que exercem poderes [ou a função] de polícia devem respeitar e proteger a dignidade humana e defender os direitos humanos de todas as pessoas.” [NAÇÕES UNIDAS, 1979: 2] e posteriormente, “A Assembleia recomendou aos Governos que estudassem o uso do Código de Conduta no quadro da legislação (…), [em vigor nos respectivos países] (…), como um corpo de princípios a ser observado pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei” [Idem].

A Assembleia Geral das Nações Unidas criou tal Código de Conduta porque “Estava consciente da importante tarefa que os agentes policiais estavam realizando diligentemente e com dignidade; mas também estava consciente (…), do potencial de abuso acarretado pelo exercício de tais deveres” [Idem], por este motivo, o Código de Conduta:

“(…) além de exortar todos os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei a defenderem os direitos humanos (…), entre outras coisas, [também] proíbe a tortura, estabelece que a força só pode ser usada quando estritamente necessária e exige protecção completa para a saúde das pessoas detidas” [Idem].

Nesta conformidade, o Código de Conduta possui um total de 8 artigos que regulam a actividade quotidiana dos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei.

1.5             Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional

O Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional é o decreto nº 41/96 de 27 de Dezembro, aprovado pelo Conselho de Ministros da República de Angola, aos 30 de Agosto de 1996.

Depois da viragem que o País conheceu em 1991, ao deixar para trás o mono partidarismo para albergar o multipartidarismo, houve a necessidade do Governo angolano operar algumas mudanças adaptáveis a nova realidade, foi assim que no âmbito dos Direitos Humanos, o Governo de Angola aderiu a estes direitos na base de dois importantes documentos jurídicos; ratificados, aos 10 de Dezembro de 1995, nomeadamente: O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, incluindo às Convenções de Genebra, respectivamente.

Tendo em conta que o trabalho policial exige o respeito escrupuloso das leis, Regulamentos, Normais e outros tratados ou instrumentos jurídicos afins, como é o caso das Normas Internacionais de Direitos Humanos, então, criou-se o Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional por causa das profundas transformações políticas, económicas e sociais que Angola tem vindo a enfrentar, de maneiras a, adoptar medidas relativas à disciplina dos funcionários e agentes administrativos do Estado; definir as competências, a legitimidade e os parâmetros de acção da actividade policial.

O Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional (RDPN) foi criado ao abrigo dos artigos 112º[4] e 113º[5] da Lei Constitucional referente à IIª República e é antecedido de um diploma do tempo colonial, sendo o Decreto nº 48 190, publicado no Boletim Oficial nº 168, 1.ª série, de 30 de Dezembro de 1967. Que na IIª República passou por uma revisão, adquirindo assim o estatuto de Regulamento. Entretanto, o facto de a bem pouco tempo Angola ter consagrado a sua IIIª República, significa que o RDPN está propenso a passar por uma revisão com vista a se adaptar a nova realidade social, política, económica, cultural e ideológica que o país vive, que difere dos períodos anteriores.

1.6.1 Capítulos do RDPN

No comuto geral, o RDPN possui 99º artigos e encontra-se subdividido em 6 Capítulos, a citar:
Ø  O 1º Capítulo refere-se sobre a Disciplina;
Ø  O 2º Capítulo refere-se sobre as Penas Disciplinares e seus Efeitos;
Ø  O 3º Capítulo refere-se sobre a Classe de Comportamentos;
Ø  O 4º Capítulo refere-se sobre a Competência Disciplinar;
Ø  O 5º Capítulo refere-se sobre o Processo Disciplinar;
Ø  O 6º Capítulo refere-se sobre as Disposições Finais.

1.6.2 Secções que constam nos Capítulos do RDPN

Quanto as Secções dos respectivos Capítulos, temos a dizer que:
O 1º Capítulo referente a Disciplina possui 3 secções:
a)      Secção I – Disposições Fundamentais;
b)      Secção II – Deveres Disciplinares;
c)      Secção III – Recompensa e seu Efeito.

O 2º Capítulo referente as Penas Disciplinares e seus Efeitos possui 3 secções:
a)       Secção I – Penas Disciplinares;
b)      Secção II – Efeitos das Penas;
c)      Secção III – Factos a que são aplicáveis as penas.

O 3º Capítulo referente a Classe de Comportamentos e o 4º Capítulo referente a Competência Disciplinar não possuem nenhuma secção.

O 5º Capítulo referente o Processo Disciplinar possui 3 secções:
a)      Secção I – Disposiçóes [sic] Fundamentais;
b)      Secção II – Reclamação, recurso e queixas;
c)      Secção III – Conselho de Disciplina.

O 6º Capítulo referente as Disposições Finais, não possui nenhuma secção.

Capítulo II – Níveis de Convergência entre o Código de Conduta e o Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional


2.1           Artigo 1º
“Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem cumprir, a todo o momento, o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra actos ilegais, em conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer.” [Ibidem: 2].

Significa que os polícias, na qualidade de Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, devem cumprir e fazer cumprir as leis vigentes na República de Angola. Há que ter em atenção que, os polícias devem ser os primeiros cumpridores para depois coagirem o cidadão comum a cumprir, quer dizer que, o polícia diante da lei deve ser o modelo, deve ser o exemplar.

Os polícias devem prestar serviço de assistência aos membros da comunidade que necessitam de ajuda imediata: o trabalho do efectivo da Polícia Nacional é essencialmente, prestar serviço à sociedade. De acordo com, Isaías Celestino Chingufo Chiyaneke, em sua obra: Polícia & Sociedade, defende que o objectivo do trabalho prestado pela Polícia Nacional “(…) é a protecção da sociedade (…)” [2002: 3], a par disso, o slogan da corporação policial angolana é “PELA ORDEM E PELA PAZ AO SERVIÇO DA NAÇÃO[6][7] – Quer dizer que protegendo a sociedade angolana, os polícias devem manter a ordem e garantir a paz aos angolanos.

Por isso, o efectivo da Polícia Nacional não deve receber gratificação pelo trabalho prestado à sociedade, por exemplo: se um cidadão apresentar uma queixa, onde alega que a sua residência está a ser invadida por meliantes, o efectivo da Polícia Nacional não pode pedir dinheiro algum para socorrer os haveres do cidadão; quanto a isto, tem se ouvido falar em casos de agentes que exigiram valores monetários para deslocação do posto de serviço à casa do cidadão, isto é um erro grave e concomitantemente, uma violação ao Artigo 1º do Código de Conduta e ao ponto 16 do Artigo 5º[8] do RDPN. O facto de um indivíduo da corporação policial usar a farda azul em serviço, significa que o mesmo é funcionário do Estado e o Estado paga-lhe mensalmente pelo trabalho que o mesmo presta ao país, assim sendo, nenhum cidadão deve pagar nada a um agente da autoridade. Todo o efectivo da Polícia Nacional que jurou a bandeira recorda-se da seguinte frase: “Se Eu violar este juramento de bandeira, que seja severamente punido nos termos da lei e que se dirija para mim, o ódio de todo povo angolano” Nesta ordem de ideias, o polícias estão conscientes de que se cometerem a qualquer altura, serão punidos severamente nos termos da lei.  

Todo o efectivo da Polícia Nacional deve alertar as pessoas para que não venham a cometer determinados crimes e deter ou notificar os indivíduos que praticam acções que incorrem a responsabilidade criminal[9]. Assim sendo, temos a dizer que todo o efectivo da Polícia Nacional deve ser o conselheiro dos seus colegas, vizinhos, familiares e amigos, alertando-os para que não venham a cometer determinados crimes, infracções ou qualquer tipo de acções subversivas.

2.2           Artigo 2º
“No cumprimento do seu dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de todas as pessoas.” [Idem].

De forma indiscreta, este segundo artigo nos quer dizer que, os agentes da Polícia Nacional têm “poder” e devem fazer o uso do poder com base na legalidade; porque “o poder não se mendiga, exercesse”, mas, não devem abusar do poder para resolverem os seus problemas pessoais e para humilharem terceiros.

Como agentes da lei devem acima de tudo, respeitar e proteger a dignidade humana; porque todo o cidadão é digno de respeito, a exemplo disso o ponto 2 do artigo 31º da nossa Constituição da República narra o seguinte: “O Estado respeita e protege a pessoa e a dignidade humana.

Os agentes da lei, devem saber que o bem maior ou mais importante no ordenamento jurídico angolano é a vida humana, então, ela deve ser respeitada condignamente. O Direito à vida está consagrado na nossa Constituição da República no seu artigo 30º que narra o seguinte: “O Estado respeita e protege a vida da pessoa humana, que é inviolável.” Em suma, a vida é um valor que está acima de todos os valores.

Por mais criminoso que seja um cidadão, a sua morte desarticula o índice estatístico, demográfico e económico de um Estado, o que significa que, quanto maior for o índice de mortalidade, maior será a desarticulação desses índices.

2.3           Artigo 3º
“Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever.” [Idem].

De forma indiscreta, o artigo 3º nos quer dizer que os policias estão legalmente autorizados a utilizar a força, mas só podem utilizar a força caso haja necessidade imperiosa, tais como: a prevenção de crimes, detenção legal de transgressores ou de suspeitos, ou ainda para “quebrar a resistência, manter a autoridade, repelir uma agressão actual e ilícita dirigida ao agente ou a terceiros e depois de esgotado qualquer outro meio para a conseguir”. Estes pressupostos estão plasmados no Estatuto Orgânico da Policia Nacional nos artigos 6º e 7º[10] e no RDPN artigo 5º, ponto 38[11]. 

O Código de Conduta adverte que a arma de fogo não deve ser utilizada contra as crianças e cada vez que uma arma for disparada, deve-se fazer rapidamente um relatório às autoridades competentes ou aos superiores hierárquicos para se evitar situações adversas.

2.4           Artigo 4º

“As informações de natureza confidencial em poder dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do dever ou as necessidades da justiça estritamente exijam outro comportamento.” [Ibidem:3].

Este artigo chama a atenção para uma questão pertinente que é o sigilo profissional, os efectivos da Polícia Nacional, pela natureza dos seus deveres, podem obter informações que podem relacionar-se com a vida particular de algumas pessoas e, que tais informações podem ser prejudiciais aos interesses e a reputação dessas mesmas pessoas. Nesta conformidade, deve-se ter a máxima cautela na salvaguarda e utilização dessas informações, não se pode usar para outros fins, este uso é impróprio.

Exemplo: se por ventura um polícia estiver a trabalhar no giro e interpelar um cidadão suspeita, após identificação e revista, dar por conta que além de ser filho de alguém quer seja famoso ou não, também é traficante de droga; esta informação só deve ser transmitida aos seus superiores hierárquicos e quando estiver a desempenhar as suas funções ou no tribunal quando o réu estiver a ser julgado. Nunca se deve usar aleatoriamente esta informação com o objectivo de manchar a imagem do pai, até porque o “crime não é transmissível”. Por isso deve-se cultivar o sigilo profissional quando um agente da lei estiver no exercício das suas funções. Assim sendo, cada agente da lei deve aconselhar o seu colega para não transportarem para casa, para o bairro ou grupo de amigos, aquilo que se passou no local de serviço.  

2.5           Artigo 5º

“Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer acto de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante, nem invocar ordens superiores ou circunstanciais excepcionais, tais como o estado de guerra ou uma ameaça à segurança nacional, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública como justificação para torturas ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” [Idem].

Este artigo nos quer dizer que, nenhum polícia pode castigar ou participar de qualquer acto de tortura contra um cidadão, nem permitir que isto aconteça, porque estas acções representam uma ofensa contra a dignidade humana e são extremamente reprováveis aos propósitos da Carta das Nações Unidas, também são consideradas de violência aos direitos humanos e liberdades fundamentais na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta cláusula também é prevista na nossa Constituição no seu artigo 60º que narra o seguinte: “Ninguém pode ser submetido a tortura, a trabalhos forçados, nem a tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes.” De igual modo, o RDPN defende esta cláusula no seu artigo 5º, ponto 48[12].

Ainda sobre a cláusula, invocar ordens superiores, tais como o estado de guerra ou uma ameaça de guerra, a nossa Constituição no seu Artigo 119º, linha m) narra que o chefe de Estado têm a competência de: “Declarar o estado de guerra e fazer a paz, ouvida a Assembleia Nacional;”. Os efectivos da Polícia Nacional nunca devem fazer afirmações perigosas que transcendem as suas competências, como: guerrear contra o grupo “Os Mortos Complicados”; aniquilar o bandido “Mil Nganzas”; fechar as cadeias e abrir os cemitérios. Essas afirmações representam é uma violação grave as Normas Internacionais de Direitos Humanos e outros instrumentos jurídicos afins, os polícias devem trabalhar para o combate ao crime e as acções subversivas.


2.6           Artigo 6º
“Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem assegurar a protecção da saúde das pessoas à sua guarda e, em especial, devem tomar medidas imediatas para assegurar a prestação de cuidados médicos sempre que tal seja necessário.” [Idem].

Este artigo nos quer dizer que, a polícia não pode deter na cadeia e impedir o tratamento de um individuo que se encontra ferido, ainda que for altamente perigoso. Como ser humano, ele tem direito a vida e a assistência médico-medicamentosa. Quando o suspeito estiver a receber tratamento médico, o Código de Conduta adverte que a polícia deve tomar em consideração a opinião do médico, principalmente quando recomendar tratamento adequado à pessoa detida.

Os polícias devem assegurar também cuidados médicos às vítimas de violação da lei ou de acidentes que decorram no decurso de violações da lei.

2.7           Artigo 7º
“Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem cometer qualquer acto de corrupção. Devem, igualmente, opor-se rigorosamente e combater todos os actos desta índole.” [Ibidem:7].

É missão da polícia combater a corrupção, a polícia não pode e nem deve se afiliar ou mergulhar nas ondas da corrupção, porque a corrupção é entendida como a omissão de um caso qualquer no desempenho das funções atribuídas, em contrapartida de ofertas, com aceitação ilícita destes.

O Código de Conduta narra que qualquer acto de corrupção, como qualquer abuso de autoridade é incompatível com a profissão policial e quando isto acontece, a lei deve ser aplicada na íntegra a qualquer destes funcionários que cometa um acto de corrupção ou de abuso de poder. De igual modo, o RDPN também se opõe a práticas corruptivas no seu artigo 5º, ponto 16[13].

Pelo facto do agente da Polícia Nacional ser um Funcionário Responsável pela Aplicação da Lei, significa que não pode praticar acções subversivas e deve evitar o máximo possível, cometer qualquer tipo de crime ou infracção.

Suponhamos que no tribunal, diante do Meritíssimo Juiz em um acto de julgamento. O Juiz também fica indignado ao se aperceber que um polícia cometeu um crime e pergunta-se: como é que um fiscal da lei que para fazer o uso da farda, passou por uma escola de formação policial, onde lhe foi ensinado a defender os interesses do Estado, proteger a sociedade, defender a pátria, mantendo a ordem e a tranquilidade públicas. Afinal de conta é um violador da lei?! - Nesta óptica, fica difícil defender o agente da lei, porque esqueceu-se de exercer o seu real papel e passou a ser um infractor.     

2.8           Artigo 8º
“Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar a lei e o presente Código. Devem, também, na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se vigorosamente a quaisquer violações da lei ou do Código.
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei que tiverem motivos para acreditar que se produziu ou irá produzir uma violação deste Código, devem comunicar o facto aos seus superiores e, se necessário, a outras autoridades com poderes de controlo ou de reparação competentes.” [Idem].

Os polícias, pelo facto de serem os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Leis devem respeitar a lei e sobretudo este Código de Conduta aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas e o Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, aprovado pelo Conselho de Ministros da República de Angola. É missão do efectivo da Polícia Nacional denunciar aos seus superiores hierárquicos toda e qualquer violação ao Código ou ao Regulamento para que se possa tomar providências necessárias e criar um clima de confiança entre a polícia e o cidadão.

A sociedade tem de confiar à polícia, o cidadão não pode temer nem desconfiar do polícia, tem que ver o polícia como o seu protector e principal aliado na resolução de problemas. 

Conclusão


Depois desta abordagem entorno do Código de Conduta e o Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, a guisa de conclusão apraz-nos concluir que, o Código de Conduta aplicado na íntegra é uma mais-valia para qualquer corporação responsabilizada pela aplicação da lei. Não há dúvidas de que a Polícia Nacional Angolana tem cumprido o seu papel na sociedade angolana, como instituição responsável pela aplicação e fiscalização da lei, mais de quaisquer das formas, precisa-se aprimorar cada vez mais esta prestação de serviço com vista a criar um clima de confiança na sociedade angolana entre a polícia e o cidadão, para tal, “(…) a policia, enquanto instrumento de controlo e garante da autoridade democrática, deve caracterizar-se por ser cívica, [cada vez mais] moderna e [cada vez mais] competente, com vista a desempenhar cabalmente o seu papel” [JOSÉ, 2008: 1].

A 6ª Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas orienta os Governos a não aplicarem a lei somente entre os cidadãos, se não poderem aplicar contra os seus próprios agentes e dentro dos seus próprios organismos, a exemplo deste cumprimento em Angola: nota-se que muitas das cláusulas defendidas pelo Código de Conduta, são cláusulas previstas na nossa Constituição da República, no Estatuto Orgânico da Polícia Nacional e no Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional (RDPN).

Atendendo a nova realidade política e jurídica angolana, causada pelos ventos da mudança e que resultou na consagração da IIIª República, urge a necessidade de se efectuar uma revisão profunda ao RDPN, com vista a corresponder as expectativas da nova lei magna e criar um equilíbrio sustentável, mormente no que tange ao respeito escrupuloso as Normais Internacionais de Direitos Humanos.

Caso o RDPN passe por uma revisão, exortámos as autoridades competentes a inserção de cláusulas referentes a “protecção da dignidade humana”, “o direito a vida”, “o uso da força e da arma de fogo”, “o sigilo profissional”, “abstenção à tortura, tratamentos cruéis ou degradantes” e o “combate à corrupção”, por constituírem práticas de fácil criticismo nos meios de comunicação social e no seio da população em geral. Por último, exortámos a revisão profunda do Capítulo II do RDPN, referentes as Penas Disciplinares e seus Efeitos por definirem períodos de prisão à margem do estabelecido na Constituição da República. 

Referências Bibliográficas

CHIYANEKE, Isaias Celestino Chingufo. (2002); Polícia & Sociedade. (2ª Edição), Luanda: DNOP.

COMANDO GERAL DA POLÍCIA NACIONAL. (2011); Polícia Nacional Angolana: Factos Históricos. Luanda: CGPN.

JORNAL DE ANGOLA. (2010); Constituição da República de Angola. Sexta-feira, 5 de Fevereiro.

JOSÉ, António. (2008); Fascículo de Técnica Policial. Publicado em Outubro de 2008, no curso de Serviço de Migração e Estrangeiro.

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO. (2006); Lei nº 23/92 de 16 de Setembro, Colectânea de Legislação Eleitoral (Assembleia do Povo), Luanda: Edijuris Edições Jurídicas Lda.

NAÇÕES UNIDAS. (1979); Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, Normais Internacionais de Direitos Humanos. Publicado, aos 27 de Dezembro.

REPÚBLICA DE ANGOLA. (1996); Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, Diário da República. I Série – 54, publicado na sexta-feira, 27 de Dezembro.

ROCHER, Guy. (1999); Sociologia Geral: A Organização Social 5º Edição, Lisboa: Editorial Presença.

Luanda, Novembro de 2010.


[1] Comunicação apresentada ao «Workshop de Capacitação em Direitos Humanos e Educação Cívica, dirigido aos efectivos da Polícia Nacional», realizado em Luanda, Angola, no Comando Provincial de Luanda, entre 23-24 de Novembro de 2010.
[2] Licenciado em Ciências da Educação, opção: Sociologia, pelo Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda.
[3] Aqui abre-se parênteses as comunidades nómadas.
[4] 112º) No exercício de funções administrativas compete ao Governo:
b) Elaborar regulamentos necessários à boa execução das leis;
[5] 113º) O Governo, reunido em conselho de Ministros, exerce a sua competência por meio de decretos-lei,
decretos e resoluções sobre políticas gerais, sectoriais e medidas do âmbito da actividade
governamental.
[6] Nação: o termo nação, neste lema é utilizado na perspectiva política e jurídica que significa pátria, país ou povo; o que difere da perspectiva sociológica.
[7] De realçar que este slogan, deriva de um slogan anterior, sendo: PELA ORDEM E PELA PAZ AO SERVIÇO DO POVO. Usado durante a Iª Republica, aquando a constituição do Corpo de Polícia Popular de Angola – CPPA, como um dos ramos das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola – FAPLA. [COMANDO GERAL DA POLÍCIA NACIONAL, 2011: 62].
[8] Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, Artigo 5º, ponto16: Não receber gratificações de particulares pelos serviços da sua profissão a não ser com autorização superior, nem aceitar dádivas, benesses ou presentes que possam colocá-lo em situação de favor ou limitar a sua liberdade de acção.
[9] Responsabilidade Criminal deriva da prática de crimes e transgressões cometida a partir da qual o indivíduo pode ser penalmente responsabilizado por seus actos, em determinado país ou jurisdição.
[10] Estatuto Orgânico da Polícia Nacional, Artigo 6º: no âmbito das suas actividades e de acordo com as circunstâncias, a Polícia Nacional utiliza as medidas de polícia legalmente previstas e aplicáveis nas condições e termos estabelecidos na Lei. Artigo 7º: a utilização de meios coercivos está limitada aos seguintes casos:
1.       Para quebrar a resistência à execução de um serviço no exercício das suas funções e manter a autoridade, depois de esgotados quaisquer outros meios para o conseguir.
2.       Para repelir uma agressão actual e ilícita a si dirigida ou a terceiros.
[11]  Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, Artigo 5. Ponto 38: Não fazer uso das armas, salvo em caso de necessidade imperiosa de repelir uma agressão ou sua tentativa eminente contra si ou contra o Seu posto de serviço ou quando a conservação da ordem assim o exija ou sempre que os seus superiores lhe determinarem, para bem da manutenção da ordem pública ou ainda para manter, no caso de ser indispensável, as capturas que efectuar.

[12] Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, Artigo 5º, ponto 48: Abster-se de maltratar ou fazer qualquer insulto ou violência aos presos, quer no acto da prisão quer logo a seguir à mesma, salvo se houver resistência, fuga ou tentativa de fuga.

[13] Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional, Artigo 5º, ponto16: Não receber gratificações de particulares pelos serviços da sua profissão a não ser com autorização superior, nem aceitar dádivas, benesses ou presentes que possam colocá-lo em situação de favor ou limitar a sua liberdade de acção.

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