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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

CONTRIBUTO SOCIOLÓGICO DE FÁTIMA VIEGAS: “UMA REFLEXÃO SOBRE A SUA VIDA E PRINCIPAL OBRA – ANGOLA E AS RELIGIÕES: UMA VISÃO SOCIAL”

Horácio Lembe & Dorca Mateus

Resumo

Havendo necessidade em reconhecer o contributo que determinados intelectuais têm prestados em fóruns académicos e profissionais, com vista a fortalecer o capital cultural do país (Angola). Levou-nos a reflectir a singularidade dos contributos que Fátima Viegas tem prestado através de vários artigos publicados em jornais e em revistas multidisciplinares e como tais contributos influenciaram na sua projecção académica e profissional? Por outro lado, procurámos fazer uma leitura reflexiva em sua obra – Angola e as Religiões: Uma Visão Social, onde Fátima Viegas teve a amabilidade de caracterizar as particularidades apresentadas pelas diferentes instituições religiosas, reconhecidas juridicamente pelo Estado angolano. Nos proporcionando desta forma, uma análise epistemológica, paradigmática e pragmática do fenómeno religião no contexto angolano.


Palavras-chave: 

Fátima Viegas, vida e obra, Angola e as Religiões, visão social.

Abstract

If it is necessary to recognize the contribution that certain intellectuals have provided in academic and professional forums in order to strengthen the cultural capital of the country (Angola). Led us to reflect the uniqueness of the contributions that Fatima Viegas is provided through several articles published in newspapers and multi-disciplinary magazines and how those contributions influenced her academic and professional projection? On the other hand, we tried to do a reflective reading of her work - Angola and the Religions: A Social Vision, where Fatima Viegas was kind enough to characterize the peculiarities presented by the different religious institutions, legally recognized by the Angolan state. Providing us in this way, an epistemological, paradigmatic and pragmatic analysis about religious phenomenon in the Angolan context.

Key words:

Fatima Viegas, life and work, Angola and religion, social vision.

Introdução

O facto de Fátima Viegas ser uma socióloga que indiscutivelmente tem prestado o seu contributo ao pensamento sociológico inerente a realidade angolana, através de vários artigos publicados em jornais e em revistas de carácter multidisciplinares, levou-nos a fazer uma reflexão sobre a sua vida e obra – Angola e as Religiões: Uma Visão Social.

De realçar que, a presente reflexão é resultado de dois trabalhos académicos feitos em 2007 e em 2009, referente a disciplina de História do Pensamento Sociológico Angolano do curso de licenciatura em Ciências da Educação, opção Sociologia; administrado pelo Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda. E que procura analisar e compreender determinadas questões, como: a existência de um pensamento sociológico respeitante a realidade angolana, identificação das bases referentes a selecção e projecção de saberes endógenos e do cânone sociológico nacional, as dinâmicas e principais tendências da sociologia em Angola e por último, os desafios para o seu ensino, investigação e profissionalização de uma classe coesa e eficaz.

Porém, o presente artigo além de reflectir o contributo sociológico prestado por Fátima Viegas, também visa subsidiar a futura geração de estudantes no sentido de minimizar alguma dificuldade que possivelmente possam enfrentar.   

A presente reflexão encontra-se dividida em três partes fundamentais. A primeira parte refere-se à vida e obra de Fátima Viegas, onde abordámos a descrição da sua vida e enunciámos alguns dos seus escritos publicados. A segunda parte versa sobre a delimitação científica; aqui identificámos a área onde Fátima Viegas tem prestado o seu contributo maioritário e analisámos a metodologia e a “provável” fundamentação teórica utilizada em sua principal obra. Já na terceira parte, procurámos fazer uma leitura genérica a obra Angola e as Religiões: Uma Visão Social; posteriormente, apresentámos os principais paradigmas defendidos por Fátima Viegas, onde apurámos ideias sólidas e credíveis que só nos ajudam a entender melhor o panorama religioso em Angola, numa perspectiva sociológica integrada. 

1. Vida e Obra de Fátima Viegas

1.1             Descrição da Vida Académica e Profissional

Maria de Fátima Republicano de Lima Viegas, assina como, Fátima Viegas, Doutorada em Ciências Sociais. Nasceu em Porto Alexandre, província do Namibe. Formou-se na Escola do Magistério Primário em Sá de Bandeira, Angola e, frequentou até o IIº ano do curso de Direito na Universidade Agostinho Neto. Fez a sua licenciatura em Sociologia pela Universidade Moderna de Lisboa, mestrado em sociologia pela Universidade de Coimbra.


Em Itália, Fátima Viegas fez os seguintes cursos: Relações Internacionais e Diplomática, no Instituto de Relações Internacionais de Roma e Arquivística e Biblioteconomia, no Instituto do Vaticano (Itália).

No âmbito profissional, de 1972-74, Fátima Viegas foi professora do Ensino Primário na província de Lubango; de 1973-74 ministrou cursos de professores de posto na província de Lubango, nos anos a seguir, de 1975-81 funcionou no Centro de Investigação e Programas Escolares do Ministério da Educação, fazendo parte da equipa de trabalho e de Coordenação de Ciências Sociais. Fez com a equipe de Ciências Sociais o fascículo da respectiva disciplina para o IIº Nível do Ensino de Base, de igual modo, coordenou e participou em estágios de superação profissional dos professores de Ciências Sociais, em colaboração com a UNESCO. Fátima Viegas foi a 1ª Adida Cultural de Angola no exterior, colocada na Embaixada de Angola em Roma-Itália, exercendo a sua função de 1981 à 1989. Simultaneamente foi representante de Angola no Comité da Organização Mundial Para os Direitos de Propriedade Intelectual (OMPI).

Desde o ano de 1995, é Assistente, Membro do Conselho Pedagógico e da Assembleia do Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda. Foi docente da disciplina de Sociologia da Educação e Sociologia da Família. De 1997-2008 exerceu a função de Directora-geral do Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos afecto ao Ministério da Cultura.

Actualmente é docente nas disciplinas de Sociologia da Medicina, Sociologia da Religião e Seminário Especializado no ISCED de Luanda e tem realizado estudos acerca do fenómeno religioso e da espiritualidade da população de Angola. Fátima Viegas desempenha a função de Directora do Gabinete para a Cidadania e Sociedade Civil do Comité Central do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Neste gabinete tem desenvolvido actividades (workshops, seminários, palestras e mesas redondas) em torno da educação cívica, importância da família e o princípio da solidariedade e respeito pela pessoa humana, enquanto pressupostos de uma sociedade democrática.

1.2             Escritos Publicados

Fátima Viegas tem publicado vários artigos em jornais e revistas de carácter multidisciplinares que até certo ponto, influenciaram na sua projecção académica e profissional. De entre os escritos (obras, artigos e temas conferenciados) destacam-se os seguintes:

Boletim Informativo da Embaixada de Angola”, publicado em Roma 1982;

Sagrada Esperança”, tradução para a língua italiana, o livro do poeta António Agostinho Neto – primeiro presidente da República Popular de Angola, em Roma, 1988;

Tocoísmo na Moderna Sociedade Angolana”, tese de licenciatura, pela Universidade Moderna de Lisboa 1995;

Angola e as Religiões: Uma Visão Social”, principal obra de Fátima Viegas, publicado em 1999;

Proliferação Religiosa em Angola”, artigo publicado no Jornal de Angola em 2003;

Autoridades Tradicionais no Processo de Resolução de Conflitos: O Caso dos Curandeiros e Entidades Religiosas, em Angola”, comunicação apresentada no fórum sobre o Direito Costumeiro, organizado pela Faculdade de Direito, da Universidade Agostinho Neto, Luanda, 2004;

A Gestão da Doença no Espaço Sócio-Cultural e Urbano de Luanda: Os Curandeiros Tradicionais e os Neo-Tradicionais”, dissertação de mestrado orientado por Boaventura Sousa e Santos, em 2005 pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;

            “Panorama Religioso em Angola – Dados Estatísticos 1987-1997”, publicado em 2008;

Panorâmica das Religiões em Angola Independente 1975-2008”, Fátima Viegas teve uma participação directa na elaboração dessa obra que pertence ao Instituto Nacional Para os Assuntos Religiosos, publicado em 2008;

Religiões & Estudos”, Fátima Viegas coordenou a elaboração e publicação da Revista n.º 1 do Instituto Nacional Para os Assuntos Religiosos, publicado em 2008;

Actuais Tendências Comportamentais na Sociedade Angolana”, conferência apresentada aos auditores do VIº Curso de Defesa Nacional para Jovens, realizado pelo Instituto de Defesa Nacional afecto ao Ministério da Defesa, dia 25 de Março de 2008;

O Papel de Igrejas Neotradicionais Africanas na Cura e Reintegração Social (1992-2002): Um Estudo de Caso em Luanda”, comunicação apresentada no VIIIº Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, dia 18 de Setembro de 2004, relativo ao painel 37, sob o lema Médicos, Mágicos e Feiticeiros: Conflitos e Colaborações Terapêuticas. Revisto e publicado na edição nº 1 da Revista Angolana de Sociologia, em Junho de 2008;

A Saúde Mental em Angola: Entre Hospital Psiquiátrico, Centros Tradicionais e Igrejas Neotradicionais” In Desinstitucionalização, Redes Sociais e Saúde Mental: Análise de Experiências da Reforma Psiquiátrica em Angola, Brasil e Portugal, Recife: Editora Universitária UFPE, 2010, pp 163-198;

Religião, Política e Sociedade em Angola”, artigo publicado na edição nº 5 da revista semestral «Estudos e Opiniões», referente ao semestre Janeiro/Junho de 2010;

Conheça os Símbolos Nacionais: Guia de Ensino e Aprendizagem para Crianças e Adolescentes”, Fátima Viegas coordenou a elaboração e publicação desta brochura que visa despertar e cultivar nas crianças e adolescentes em idade escolar, o respeito pelos Símbolos Nacionais. Brochura pertencente ao Gabinete para Cidadania e Sociedade Civil, a qual Fátima Viegas dirige;

Apenas mencionámos alguns dos muitos escritos de Fátima Viegas que, incansavelmente, tem prestado o seu contributo na reflexão do pensamento sociológico, sobretudo religioso da realidade angolana. Pessoas como Fátima Viegas, não podem ser esquecidas com facilidade porque implicitamente, é um dos pilares do fenómeno – emancipação feminina em Angola.

2. Delimitação Científica

2.1 Áreas de Contribuição

            Quanto as áreas onde Fátima Viegas tem prestado o seu contributo, apurámos que são direccionadas à várias áreas do saber científico, desde a família, educação, cultura, religião e medicina com um certo pragmatismo, tendo se notabilizado mais na área do fenómeno religioso na qual presta o seu contributo maioritário. Que segundo alguns autores e críticos literários, é (…) um campo específico de interesse humano e como disciplina académica é ainda jovem [em Angola], mas apresenta a possibilidade de um futuro promissor.[1] [cf. VIEGAS, 2007: 2]. Entretanto, a Sociologia da Religião estuda todos os fenómenos que ocorrem entre a sociedade e a religião vice-versa.      

Há que ter em mente, que a Sociologia da Religião não se interessa pela verdade ou pelo valor das crenças supra-empíricas em que se baseia a religião, ela interessa-se por seus efeitos na vida do homem e no desenvolvimento das sociedades humanas. A Sociologia da Religião não julga as questões de fé, de forma etnocêntrica, mas tenta desenvolver e tornar mais adequados os seus conceitos ao compreender melhor os múltiplos problemas que a religião apresenta, como um fenómeno social de estudo [cf. VIEGAS, 2007: 2].

2.2 Análise Metodológica e Teórica da obra Angola e as Religiões: Uma Visão Social.

            De entre os vários escritos publicados por Fátima Viegas, apenas faremos menção a sua obra “Angola e as Religiões: Uma Visão Social” que por sinal, é considerada por alguns estudiosos, como cartão-de-visita ao mundo da ciência. No sentido de que, quando alguém quiser se debruçar sobre religião no contexto angolano, sobretudo na perspectiva sociológica e não só. Necessariamente terá de visitar ou recorrer aos subsídios de Fátima Viegas, por ser uma pioneira nas indagações sobre o fenómeno religioso em Angola.

            No que tange a análise metodológica que Fátima Viegas usou, não foge a regra do que temos vindo a aprender em disciplinas como: Introdução à Pesquisa Científica, Metodologia de Investigação Científica, Metodologia de Investigação Sociológica e Seminário Especializado. Também deve-se ao facto, de na sua formação ter se beneficiado da experiencia de outras orientações metodológicas e epistemológicas.

A obra “Angola e as Religiões: Uma Visão Social” é “fruto de experiências, de pesquisa de campo e de gabinete, (…)” [VIEGAS, 1999: 8]. Por conseguinte, “A metodologia adoptada para a realização deste estudo consistiu na observação directa, na análise documental e ainda num levantamento a partir da grelha de caracterização (…) proposta às igrejas[VIEGAS, 1999: 9]. De acordo com o que aprendemos, a pesquisa de campo e de gabinete que Fátima Viegas se refere, tem a ver com o facto de o investigador ir ao terreno para constatar a realidade do fenómeno em estudo. Esta pesquisa pressupõe normalmente a presença prolongada do investigador no contexto social em estudo.

No que concerne a metodologia, podemos afirmar que Fátima Viegas fez o uso do método qualitativo, através da técnica de observação directa e ainda fez recurso a análise documental. Neste contexto, a técnica de observação directa que Fátima Viegas se refere, corresponde à observação participante, que é uma técnica do método qualitativo que “(…) pressupõe o envolvimento directo entre o investigador e o grupo (ou a comunidade) que pretende estudar. Para isso, o investigador deve [despir-se de preconceitos e] interiorizar a cultura e as normas de comportamento de grupo”. [CARVALHO, 1999: 4]. Já a análise documental consiste no (…) levantamento de dados (…) [e na] coleta [sic] de documentos de primeira ou segunda mão, ou, ainda, dados primários e dados secundários.[MARTINS & THEÓPHILO, 2009: 88].
  
No que diz respeito a análise teórica, Fátima Viegas não deixou em aberto a fundamentação teórica utilizada nos seus estudos, mas a forma como tratou e analisou o fenómeno religião, faz-nos crer que fez o uso do estruturo-funcionalismo de Talcott Parsons, porque fazendo uma leitura crítica à obra, damos por conta que Fátima Viegas cumpriu criteriosamente os quatros imperativos funcionais do estruturo-funcionalismo, que são: “1. A prossecução de fins (…); 2. Estabilidade normativa latente (é a função que garante os valores); 3. Adaptação ao ambiente (quer físico, quer social); 4. A integração (é a função que permite o recíproco equilíbrio dos elementos do sistema).[DEMARTIS, 1999: 18]. Estes quatros imperativos são postos em consideração na obra em análise, pela forma como Fátima Viegas estruturou as particularidades das instituições religiosas, caracterizando-as tendo em conta o relacionamento sistemático entre elas na adopção de mecanismos e controlo de integração[2], as disfunções que ocorrem no desenrolar da relação sistemática[3] e a integração social produzida pelo consenso de valores que garantem estabilidade do sistema[4]. Caso haja dúvidas, esperámos colmatá-la no subtema a seguir.

3. Leitura da obra Angola e as Religiões: Uma Visão Social

3.1 Leitura Genérica da obra

            No subtema anterior vimos que a principal obra de Fátima Viegas é “Angola e as Religiões: Uma Visão Social”. Consideramo-la principal obra, pela forma como despertou o interesse da sociedade em geral, facultando uma forma diferente de encarar a religião, mais pela compreensão e menos pelo conflituo e por ser uma das primeiras tentativas académicas em estudar a igreja como instituição social em Angola. Provocando um impacto positivo pela forma como promoveu um olhar diferente ao fenómeno religioso, baseado numa perspectiva sociológica integrada e não discriminatória, como tem vindo a ser consumada pela sociedade em geral.

              A obra “Angola e as Religiões: Uma Visão Social” é estruturada da seguinte forma: começa com um prefácio escrito por Artur Pestana (Pepetela). Segue-se uma introdução onde Fátima Viegas apresenta a fundamentação conceptual e paradigmática do fenómeno religião, posteriormente segue-se uma nota de agradecimento onde Fátima Viegas agradece as pessoas que directa e indirectamente lhe apoiaram, quer na fase de pesquisa como nas fases de compilação, redacção e de publicação da obra.

O primeiro capítulo versa sobre as Instituições Religiosas, aqui Fátima Viegas, caracteriza a maioria das instituições religiosas reconhecidas juridicamente pelo Estado angolano até o ano de 1998. No âmbito da caracterização de cada instituição religiosa, Fátima Viegas apresenta estruturadamente: a localização da sede nacional de cada uma, nível de expansões nacional e internacional de cada uma, respectivas proveniências e doutrinas, data de implementação em Angola, símbolo social, ritos e rituais, festas e preceitos, relação com outras instituições religiosas cristãs e não cristãs e actividade social. Em suma, Fátima Viegas caracterizou a maioria das instituições religiosas reconhecidas pelo Estado angolano de 1987 à 1998, começando pela Igreja Católica à Convenção Evangélica Pentecostal Independente em Angola, perfazendo um total de 69 das 78 instituições religiosas já legalizadas na altura, pelo Estado angolano.

Segue-se o segundo capítulo referente as Federações Religiosas que perfazem um total de (2) duas federações, a citar: a Aliança Evangélica de Angola e o Conselho das Igrejas Cristãs em Angola. Estas federações foram formadas pelas várias instituições religiosas existentes em Angola que praticam o culto ecuménico. A obra “Angola e as Religiões: Uma Visão Social” termina com as reflexões de vários intelectuais que também se interessam no estudo de fenómenos religiosos, como: Damião Franklim, Emílio de Carvalho, Maria da Conceição Neto e Virgílio Coelho. Por último, Fátima Viegas nos apresenta o quadro de cisões das igrejas oficiais, fazendo o total de 25 igrejas desmembradas: onde a Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo (INSJM) “Os tocoistas” lidera a lista com 4 desmembramentos que são: INSJM 12 velhos, Direcção Central, 18 classes e Ntemo António. Segue-se assim a Assembleia de Deus Pentecostal com 3 desmembramentos: Igreja Evangélica, Convenção Evangélica e a Missão Evangélica Pentecostal de Angola. E a Igreja Cristã União do Espírito Santo também com 3 desmembramentos: a Missão Evangélica do Espírito Santo, a Igreja Cristã Unida no Santíssimo Espírito e a Igreja Cristã União do Espírito Santo. Em contrapartida aparece um total de 12 igrejas com 1 desmembramento cada.

3.2 Principais paradigmas defendidos por Fátima Viegas

Na leitura que se fez a obra “Angola e as Religiões: Uma Visão Social”. Fátima Viegas defende que:

“O presente trabalho (…) pretende, por um lado, dar ao leitor uma ideia geral das igrejas implantadas e juridicamente reconhecidas pelo país (…), por outro lado, suscitar nos cientistas sociais a necessidade de estudos aprofundados de carácter sociológico e etnológico, (…)” [VIEGAS, 1999: 8].

            Sobre a particularidade e natureza do tema em questão, Fátima Viegas afirma que “Não é fácil falar sobre religiões visto tratar-se de um fenómeno social muito complexo, amplo e da intimidade de cada indivíduo constituído, por isso mesmo, uma tarefa muito delicada[VIEGAS, 1999: 7]. Daqui podemos subentender que Fátima Viegas teve de enfrentar algum desconforto antes e no acto da pesquisa, de formas a não ferir sensibilidades pela delicadeza do tema, mas a sua coragem valeu-lhe o reconhecimento e a aceitação que tem tido em debates académicos sobre o fenómeno religioso no contexto angolano.

            No que diz respeito ao conceito de religião, Fátima Viegas afirma veementemente que:

“(…) o conceito de religião por si só é bastante controverso no seu aspecto etimológico e sempre complexo no campo dos debates sociológico, antropológico, histórico e político.

A religião implica, por um lado, uma procura da verdade sobre a origem e finalidade do homem e do mundo, nas suas relações com o sobrenatural; por outro lado, um conjunto de crenças, uma necessidade de amor e emoção, uma relação harmoniosa do microcosmo com o macrocosmo.” [VIEGAS, 1999: 7].
 
            Ainda no âmbito do conceito de religião, Fátima Viegas exorta que de formas a evitarmos análises erróneas, afirmações pejorativas e discriminatórias à religião; “(…) é importante reconhecermos que a religião é uma ideia dinâmica, um fenómeno social mobilizador do povo em torno das suas múltiplas necessidades e buscas de mecanismos reparadores das faltas.[VIEGAS, 1999: 7]. Fátima Viegas nos adverte que se cada um de nós fazer uma análise comparativa, com vista a caracterizar as diferentes denominações religiosas existentes em Angola, a maioria concluirá que “(…) o fenómeno religioso apresenta-se sob a forma de diferentes confissões e credos, tendo por base as religiões tradicionais africanas, o cristianismo e as religiões do (…) Extremo Oriente[VIEGAS, 1999: 8]. Apesar das várias denominações religiosas diferenciarem-se uma da outra na forma de apresentar as confissões e credos, todas convergem no sentido de anunciar soluções divina e eterna aos seus fiéis.

            Outro assunto tem a ver com a Liberdade Religiosa em Angola. Sobre esta questão, primeiramente decidimos nos apegar na Lei Constitucional[5] referente à IIª República e que de certa forma, está relacionada com o tempo em que Fátima Viegas realizou a sua pesquisa que lhe permitiu escrever a obra em análise.

            Pelo facto de na IIª República o Estado angolano ser laico, o artigo 8º da Lei Constitucional (nos seus pontos 1 e 2) define o seguinte:

“1. A República de Angola é um estado laico, havendo separação entre o Estado e as Igrejas.
2. As religiões são respeitadas e o Estado dá protecção às igrejas, lugares e objectos de culto, desde que se conformem com as leis do Estado.” [MINISTÉRIO DA ADMINISTAÇÃO DO TERRITÓRIO, 2006: 58-59].

O Artigo 8º da Lei Constitucional consagra a liberdade de consciência e de crença religiosa em Angola. Esses princípios são usualmente defendidos pelos Estados democráticos e de direito. Entretanto, apesar dessa consagração ter se efectivado, constatou-se que a falta de mecanismos contundentes que visam distinguir o fluxo crescente de igrejas, cisões e crenças, permitiu assustadoramente a proliferação de seitas religiosas encabeçadas por pessoas que não tenham o mínimo de seriedade e capacidade que correspondam os parâmetros válidos no campo religioso e espiritual. Por outro lado, notando-se que até o ano de 1999, data em que foi publicada a presente obra, Angola ainda encontrava-se em guerra. “A situação guerra” faz-nos deduzir que muitos líderes religiosos “provavelmente” encaravam as igrejas, como estratégias das suas sobrevivências.

Por causa da crescente onda de proliferação das seitas religiosas que o país vinha registando na altura, levaram Fátima Viegas a afirmar que:

“Hoje, em qualquer rua, praça e quintal ergue-se um lugar de culto, cujos mentores anunciam soluções para todos os males sociais e físicos que assolam o país. O que de novo se verifica é o aparecimento de outros tipos de missionação, novos movimentos religiosos, que no tempo e no espaço vão conquistando cada vez mais uma afirmação cultural e espiritual, surpreendendo e chocando por vezes os conservadores e conhecedores da religião, em virtude de alguns destes movimentos propagarem a Palavra de Deus, associando o misticismo aos seus interesses económicos e até mesmo políticos” [VIEGAS, 1999: 8]. 

            Além dos novos movimentos religiosos propagarem a Palavra de Deus, que é “Ide por todo mundo, pregai o evangelho a toda a criatura[6]. A eles associam-se os interesses económico e político, promovendo de alguma forma a intolerância religiosa na defesa da religião verdadeira versus religião falsa, pastor verdadeiro versus pastor falso. Tais discursos desencadeiam uma luta intensa em busca do poder religioso, onde a falta de formação moral, ética e religiosa por parte de muitos ministros de culto são cada vez mais incontrolável, porque “Algumas delas funcionam como agremiação familiar, em estilo de propriedade privada que evitando o contacto com outras igrejas, se furtam à comunicação, (…)[VIEGAS, 1999: 9].

            O sentimento etnocêntrico da parte de alguns líderes religiosos, tem também desencadeado algumas lutas na liderança de grupos religiosos, criando assim um desconforto na convivência entre os fiéis e os líderes quer da mesma denominação religiosa, como de outras denominações religiosas. Quando normalmente sucede-se no seio da mesma denominação religiosa, como consequências surgem “As cisões ou subdivisões no seio das igrejas (…)[VIEGAS, 1999: 8] e posteriormente “(…) os seus protagonistas procuram a todo o custo o reconhecimento jurídico das suas fundações.[VIEGAS, 1999: 8].

            Fátima Viegas também preocupou-se em caracterizar as actividades desempenhadas pelas diferentes denominações religiosas existentes em Angola, onde constatou que “Nas suas tarefas ordinárias, as igrejas celebram numerosos ritos entre os quais importa referir os de iniciação, purificação, consagração, peregrinação, exorcismo e hospitalidade.[VIEGAS, 1999: 9]. Mais adiante, defende que “Tais ritos acompanham o ciclo da vida individual e comunitária, desempenhando um importante papel na coesão das almas e superação das rupturas com o mundo do sagrado.[VIEGAS, 1999: 9].

            Dos vários ritos aqui apresentados destacámos a consagração do baptismo, que para muitas denominações religiosas é o rito mais importante de consagração, em que os fiéis abandonam a condição profana à conquista da condição sagrada. Uma condição que lhes caracteriza como verdadeiros fiéis que atingiram a maturidade religiosa.

            Outro rito que não se pode esquecer é o da cura, que segundo Fátima Viegas “(…) tem a função de regenerar, purificar e libertar o individuo das doenças e impurezas tanto físicos como espirituais devidas à cólera e às forças malignas.[VIEGAS, 1999: 10]. Mais adiante, Fátima Viegas apresenta duas formas de obter a cura, a citar: a “(…) imposição das mãos do Pastor ou Sacerdote, ou pela via do jejum.[VIEGAS, 1999: 10]. A opção de um deles em detrimento do outro, tem a ver com a vontade e os objectivos do crente, mas, na maior parte das vezes, o jejum é praticado para expiar culpas ou pecados, ou ainda para alcançar favores divinos em circunstâncias particularmente difíceis.

            Boa parte das denominações religiosas existentes em Angola, dão grande relevância a participação de fiéis ao culto, porque “O culto exprime a solidariedade colectivas na sua forma de religiosidade grupal, com orações, cânticos [discursos] e danças, de modo a cimentar e a estabelecer a sua relação com o Criador de todas as coisas.[VIEGAS, 1999: 10].

            Por fim, Fátima Viegas deixa algumas pistas em aberto sobre a prática de rituais e a importância que a mesma representa aos homens, tais como: a cerimónia de baptismo, a dedicação as crianças, a cura e os ritos fúnebres. Porque a contar do “(…) nascimento à morte sucedem processos que preparam, marcam e superam cada fase do ciclo da vida do crente.[VIEGAS, 1999: 9].

Conclusão

            Depois desta reflexão sobre a vida e obra de Fátima Viegas, resta-nos concluir que como mulher, soube conquistar o seu espaço para afirmar e consolidar a sua emancipação cultural e profissional. Como socióloga, não tem deixado assuntos da sua especialidade em créditos alheios, de mangas arregaçadas, tem usado de forma sábia os seus conhecimentos, transmitindo-os à nova geração de estudantes e realizando as suas pesquisas científicas sobre o fenómeno religioso, tornando-se assim, uma pioneira deste género de pesquisa e reflexão em Angola, com laboriosos e fecundos contributos ao pensamento sociológico angolano.

            Pela reflexão feita, foi possível identificar que a Sociologia da Religião é uma aplicação da Sociologia Geral na qual Fátima Viegas tem prestado incansavelmente o seu contributo maioritário e que segundo alguns autores, apesar de ser jovem, apresenta a possibilidade de um futuro promissor a nível da academia angolana, por estudar os efeitos da religião na vida do homem e no desenvolvimento das sociedades humanas. Constatámos que a obra Angola e as Religiões: Uma Visão Social, representa um marco importante no estudo das religiões como fenómeno social em Angola e que nos fornece uma vasta grelha de informações sobre as diferentes instituições religiosas reconhecidas juridicamente pelo Estado angolano, de 1987 à 1998.

“(…) Angola e as Religiões, é um trabalho antológico que tem triplo mérito: em primeiro lugar, é entre nós uma das primeiras tentativas sociológicas de encarar a Igreja como instituição social; em segundo lugar, a obra reúne um ficheiro informativo sobre as igrejas, o que constitui de per si uma valiosa contribuição à historiografia angolana das religiões; e, em terceiro e último lugar, este trabalho reflecte uma visão endógena (a maneira como as elites eclesiásticas e os crentes olham para o seu próprio rosto) das igrejas descritas ao longo das 415 páginas do livro.” [KAJIBANGA, 2008:163].

            Por fim, esperámos ter reflectido a singularidade dos contributos prestados por Fátima Viegas, em fóruns académicos e profissionais, com vista a fortalecer o capital cultural do país e que iniciativas como a de Fátima Viegas tenham um reflexo positivo no seio da juventude e da futura geração de sociólogos.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, Paulo de. (1999); “Métodos de Investigação em Ciências Sociais”. Conferência proferida a 23 de Junho de 1999, junto de estudantes da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto.

DEMARTIS, Lucia. (1999); Compêndio de Sociologia. Lisboa: Edições 70.

KAJIBANGA, Victor. (2008); O Fenómeno Religioso à Luz de Três Obras de Fátima Viegas, Revista Angolana de Sociologia, nº 1 pp. 161-164.

MARTINS, Gilberto de Andrade; THEÓPHILO, Carlos Renato. (2009); Metodologia da Investigação Científica para Ciências Sociais Aplicadas. - 2ª Ed. - São Paulo: Editoras Atlas S. A.

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO. (2006); Colectânea de Legislação Eleitoral. Luanda: Edijuris Edições Jurídicas Lda.

SOCIEDADE BÍBLICA. (2008); Bíblia Sagrada: Velho e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida, (Edições Revista e Corrigida) Lisboa.

VIEGAS, Fátima. (1999); Angola e as Religiões: Uma Visão Social. Luanda: Litotipo Lda.

VIEGAS, Fátima. (2007); Sociologia da Religião. Luanda (draft).

Luanda, Novembro de 2011.

NOTA BIBLIOGRÁFICA

HORÁCIO DOMINGOS LEMBE
Sociólogo, licenciado em Ciências da Educação, Opção Sociologia pelo Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda (ISCED de Luanda). Tem como área de investigação a Sociologia da Educação.
[e-mail: horacio_lembe@hotmail.com]

DORCA DA CONCEIÇÃO ALBANO MATEUS
Socióloga, licenciada em Ciências da Educação, opção Sociologia pelo Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda (ISCED de Luanda). É professora do ensino primário, diplomada do 6º Escalão.
[e-mail: queenju@hotmail.com]


[1] Sobre este assunto podemos consultar: Artur Pestana, Damião Franklin, Emílio de Carvalho, Maria da Conceição Neto e Virgílio Coelho que contribuíram com uma reflexão cada, na obra Angola e as Religiões: Uma Visão Social. Posteriormente, Victor Kajibanga no seu artigo “O Fenómeno Religioso à Luz de Três Obras de Fátima Viegas” publicado na edição nº 1 da Revista Angolana de Sociologia, em 2008. 
[2] Como é o caso das Federações Religiosas que praticam o culto ecuménico.
[3] Como é o caso das cisões ou subdivisões das próprias igrejas e algumas praticas que surpreendem e chocam os conservadores e conhecedores da religião.
[4] Como é o caso dos líderes religiosos que anunciam soluções para todos os males sociais e físicos que o país enfrenta, na esperança dos fiéis conquistarem uma vida divina e eterna.
[5] Lei n.º 23/92 de 16 de Setembro (Assembleia do Povo), publicado através do Diário da República Iª Série, nº 38 de 16 de Setembro de 1992.
[6] (Marcos 16: 15) In SOCIEDADE BÍBLICA. (2008); Bíblia Sagrada: Velho e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida, (Edições Revista e Corrigida) Lisboa.

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