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domingo, 15 de janeiro de 2023

Serviço Policial no Contexto dos Direitos Humanos

Resumo

 

O presente artigo procura compreender a sistematização dos direitos humanos no contexto internacional no geral e angolano em particular, bem como as suas implicações aos serviços de natureza policial que, ontologicamente, são anteriores aos diferentes sistemas formais de direitos humanos, por outro lado demonstra as linhas de força que acoplam os serviços policiais no leque de obrigações dos Estados inerentes a protecção dos direitos e liberdades fundamentais para prossecução do interesse público. Por último, identifica que a obrigação que a polícia angolana tem para proteger os direitos dos cidadãos passa pela necessidade de promover, internamente, um sistema de formação e capacitação contínua das forças e assim conformar a Resolução A/66/137 de Dezembro da Organização das Nações Unidas sobre a educação e formação em direitos humanos.

 

Palavras-chave:

Direitos humanos, instrumentos, mecanismos, polícia e serviço policial.

 

Introdução

 

A abordagem sobre “Serviço Policial no Contexto dos Direitos Humanos[1]” constituí uma tarefa que visa compreender a hierarquização do sistema de normas de direitos humanos e as suas implicações hierárquicas aos serviços policiais que passa pela correlação dos conceitos, enquadramentos específicos dos sistemas jurisdicionais e acoplação desses serviços policiais em cada sistema (internacional e angolano).

Muitos dos serviços de natureza policial existentes, são anteriores a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos que reconhece a dignidade inerente a todas as pessoas por serem humanos, a igualdade como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo e, garante a protecção dos direitos do homem através de um regime de direitos – , independentes do sexo, idade, lugar de nascimento, origem social, etnia, a nacionalidade, ocupação, profissão, opinião política, religião, estatuto social e possessão – dentro dos diversos contextos em que actua. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados subsequentes não inviabilizam os serviços de natureza policial, mas estabelecem um novo paradigma de sistematização de normas internacionais de direitos humanos fundamentais e ao mesmo tempo definem parâmetros e directrizes de actuação para os serviços de natureza policial, reputada como organismos encarregues pela aplicação da lei por constar do agregado de órgãos que cumprem e fazem cumprir leis, normas e regulamentos. Por outro lado, destaca as particularidades do sistema angolano face as dinâmicas de promoção dos direitos humanos e termina identificando alguns desafios a considerar na conformação do sistema angolano de direitos humanos.

 

Do conceito de direitos humanos à análise do serviço policial

 

A composição do conceito “direito + humano” resulta da combinação de duas palavras primitivas da língua portuguesa com equivalentes semânticos para as demais línguas da mesma árvore genealógica da família Indo-Europeia. A expressão “direito” gramaticalmente é um adjectivo que provém do latim directu e significa recto, aprumado, erecto, integro, probo e justo; a expressão “humano” tem a mesma origem e classificação gramatical humanu, diferenciando-se na dimensão semântica, pois equivale a próprio do homem, bondoso, benigno e compassivo. A expressão “direito humano” pode ser inferida como “algo justo e próprio do homem”.

No plural, a expressão “direitos humanos” ganha um contorno mais abrangente, motivado por manifestações sociais, políticos e religiosas como defende Moco (2010: 148):

“(…) a ideia de direitos humanos parece vir de muito longe, desde a altura em que o ser humano passou a tomar consciência da sua transcendência entre os outros seres vivos. Praticamente todas as sociedades históricas e actuais indiciam essa consciência de que em relação ao ser humano existem determinados valores que devem ser respeitados de forma indeclinável pela comunidade e por elementos da comunidade ditados pela dignidade da vida e da pessoa humana[2]”.

 

Chacachama (et al, 2009, pp. 15-16) chamam a atenção para a existência de uma discussão dicotómica entre Direito Positivo[3] e Direito Natural[4] na fundamentação e análise do que hoje se entende por direitos humanos: “os direitos humanos expressam precisamente princípios fundamentais do Direito Natural ou valores que nele se radicam. Assim, tratando-se de direitos inerentes à própria Pessoa Humana[5] são chamados de DIREITOS HUMANOS” e a sua aplicação não depende da raça, sexo, nacionalidade, etnia, religião, convicção política ou qualquer outra condição de ordem social, política, cultural, económica e ideológica.

Numa outra abordagem não díspar da anterior Kano (2010, p. 201) defende que o conceito de direitos humanos se assenta sobre dois pilares: “a) a protecção do indivíduo perante a acção ou omissão do Estado, tomando como base direitos individuais que o Estado não pode violar ou ignorar; b) o universalismo no que diz respeito aos direitos atribuíveis às pessoas, indepen-dentemente da sua condição e até do seu comportamento”.

O termo polícia tem dupla origem, do latim politia e do grego politeía, sendo um substantivo feminino que significa corporação incumbida de fazer observar as leis respeitantes à ordem e segurança públicas. Chiyaneke (2004, p. 8) destaca o radical de origem grega polis “que significa cidade [para caracterizar a polícia como] elemento ou organismo que vigia a polis = cidade[6]”. Em acréscimo, Manuel (2011, p. 19) evidencia que “a palavra polícia, está implicitamente ligada a: vigiar, guardar, admoestar, zelar, investigar e fiscalizar. Todos estes adjectivos estão agrupados numa estrutura hierárquica de direitos e deveres fundamentais para uma sociedade livre e democrática: PREVENIR”.

No que diz respeito a origem, Chiyaneke (2004, p. 12) afirma que “a polícia vem da sociedade, ela é a sociedade e o seu objectivo principal é a protecção da sociedade”. Por ser “(…) uma força que numa sociedade tem a missão da manutenção da ordem e preservação da segurança e da tranquilidade pública” (Bengue, 2010, p. 99).

Um aspecto importante a não ignorar nos vários conceitos de polícia é a existência da lei como pressuposto basilar da actividade policial, tal como refere Caetano (2010, p. 1150) “a polícia como modelo de actuar da autori-dade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir”. Este ponto de vista é partilhado por Alves (2008 p. 36) em dupla abordagem “de um lado, a polícia como conjunto das leis e regulamentos que respeitam à administração geral da cidade, tendo a ver com a ordem pública, a moralidade, a salubridade, os aprovisionamentos; de outro lado, a polícia como actividade organizada dos ‘guardas da lei’ encarregados de fazer respeitar a regulamentação”.

Sendo a lei um instrumento basilar para o exercício da actividade policial ocupa um lugar central porque o uso fiel da mesma garante os direitos fundamentais, a dignidade humana e o bem-estar dos cidadãos, pois “o exercício dos Direitos Fundamentais por parte dos cidadãos bem como o normal funcionamento das instituições numa sociedade dependerá da acção policial, ou seja, a protecção da dignidade da pessoa humana e construção de uma sociedade onde o convívio entre os seus membros seja feita de forma ordeira fazem parte das principais funções das forças policiais” (Bengue, 2010, p. 100). 

Direitos humanos e serviço policial são dois conceitos de abordagem que interligam-se por serem interdependentes e justifica-se pelo facto de “(…) o Estado ao garantir a segurança está a criar as condições para efectivamente proteger os cidadãos contra todas condutas que visam perigar o bem-estar comum” (Bengue, 2010, p. 100), ou seja, confirmando-se o axioma de que a polícia é uma instância de controlo social incumbida de fazer observar as leis respeitantes à ordem e segurança públicas, consubstanciada na prevenção e combate ao crime. Logo, qualquer crime além de ser violação da lei por acção ou por omissão, dolosa ou culpável é também uma violação do direito humano de outrem, porque lesa a dignidade humana, macula a integridade física e psicológica e causa danos diversos. O exercício da acção policial ao nível de prevenção e de combate ao crime visa garantir a ordem e tranquilidade públicas que se consubstancia na garantia dos direitos humanos.

“(…) parece haver antagonismo entre o Direito à segurança e a protecção dos direitos humanos. Mas na verdade o Estado ao garantir a segurança está a criar condições para efectivamente proteger os cidadãos contra condutas que visam perigar o bem-estar comum, ou seja, as coações ou restrições aos direitos resultantes sobretudo das acções das forças de segurança devem ser fundamentais unicamente em defesa dos valores superiores juridicamente protegidas” (Bengue, 2010, p. 101).

 

É claro e sistemático que em democracia o cidadão está revestido de direitos e liberdades fundamentais e o Estado é o garante destes direitos. A violação dos direitos humanos por parte dos técnicos que compõem os serviços policiais é vista na componente de eventual violação dos princípios fundamentais da actuação policial: legalidade, actuação preventiva, igualdade, proporcionalidade e da proibição dos excessos, da não-discriminação e obrigatoriedade de um controlo a posteriori.

 

Sistema internacional de direitos humanos

           

Entende-se por sistema de direitos humanos: o conjunto de dinâmicas interdependentes que visam a promoção e protecção de valores universais em várias jurisdições contextuais (internacional, continental, regional e nacional), composta por um conjunto de normas e mecanismos (estruturas e padrões), voltados à garantia dos direitos inerentes às pessoas humanas. “O sistema de protecção internacional dos direitos humanos das Nações Unidas caracteriza-se como um sistema de cooperação intergovernamental[7], que se fundamenta numa multiplicidade de fontes, que têm um único objectivo – a protecção dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana” (Martins, 2018, p. 121). Dito noutros termos, o sistema internacional de direitos humanos desenvolveu-se mediante a adopção de documentos internacionais (tratados), voltados à garantia dos direitos humanos, formando um conjunto de regras bastante diversificadas e com origem diversa, cuja materialização é garantida, executada e monitorizada pelos mecanismos convencionais[8] e extra-convencionais[9].

Os mecanismos de direitos humanos são os órgãos criados a luz de cada instrumento internacional com competência investigadora, consultiva e jurisdicional com atribuições específicas que visam monitorizar o grau de implementação dos tratados e promover a cooperação com as obrigações e compromissos assumidos pelos Estados-partes.

            O quadro 1 ilustra que, as quatro dimensões dos tratados internacionais de protecção dos direitos humanos resultam da convergência das vontades dos Estados, formalmente escrito e com vista a produzir efeitos jurídicos, o importante a reter consiste no facto de que as dimensões são sistemáticas e realizáveis, faseadamente, em função de um conjunto de regras concretas estabelecidas para a parceria em áreas específicas (descriminação racial, descriminação contra as mulheres, tortura, desaparecimento forçado, entre outros) e transversais à vida humana e ao meio ambiente.

 

Quadro 1 – Quatro dimensões dos tratados internacionais para a protecção dos direitos humanos

 

N.º

Dimensões dos tratados internacionais

1.      

Fixam um consenso internacional sobre a necessidade de adoptar parâmetros mínimos de protecção dos direitos humanos.

2.      

Celebram a relação entre a gramática de direitos e a gramática de deveres: os direitos internacionais impõem deveres jurídicos aos Estados, no sentido de respeitar, proteger e implementar os direitos humanos.

3.      

Instituem órgãos de protecção, como meios de protecção dos direitos assegurados (ex: Os Comités, as Comissões e as Cortes).

4.      

Estabelecem mecanismos de monitoria voltados à implementação dos direitos internacionais assegurados (ex: os relatórios, as petições individuais).

Fonte: Lesarte et al ([s.d.]: 25).

 

Instrumentos internacionais de direitos humanos[10], é o nome dado ao conjunto de documentos que servem de marcos de referência normativa e base de orientação e sustentação de princípios e práticas de pendor legal e ético para os Estados-partes das organizações intergovernamental, continental e/ou regional, concebidas em um determinado contexto histórico, a luz das experiências negativas do passado, com o intuito de estabelecer regras de conteúdo material, que constituem rupturas de demarcação para os novos tempos e com o objectivo de valorizar os direitos inerentes a dignidade da pessoa humana, garantir a sistematização transversal dos direitos fundamentais: a vida, a liberdade, a saúde, a segurança, a defesa e julgamento justo com base nos princípios da igualdade e da não-discriminação.

O quadro 2 ilustra os órgãos dos tratados internacionais como instâncias ou comités de peritos independentes que monitorizam a implementação dos respectivos tratados nos Estados-partes. Independentemente de apenas existirem 9 tratados internacionais de direitos humanos, foram institucionalizados 10 órgãos dos tratados, sendo que o Protocolo Opcional da Convenção contra Tortura foi contemplado com um Subcomité específico, pela singularidade da sua acção e objectividade específica da sua causa.

 

Quadro 2 – Comités e tratados internacionais

 

N.º

Tratados Internacionais de Protecção dos Direitos Humanos

Comité

Ano da Instituição

1.      

Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de descriminação Racial

Comité para a Eliminação da Descriminação Racial

1969

2.      

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

Conselho dos Direitos Humanos

1976

3.      

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres

Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres

1981

4.      

Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais

Comité sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais

1985

5.      

Convenção Internacional contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes

Comité contra a Tortura

1987

Subcomité de Prevenção contra Tortura

2006

6.      

Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança

Comité dos Direitos da Criança

1991

7.      

Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias

Comité sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias

2003

8.      

Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Comité sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

2008

9.      

Convenção Internacional sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados

Comité sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados

2010

Fonte: elaboração própria.

 

            Apesar de os tratados serem transversais, no qual, os Estados podem por vontade própria assinar e/ou ratificar os mesmos e com a obrigação de tomar medidas estratégicas e profilácticas para garantir que todos os seus cidadãos, possam, beneficiar dos direitos legalmente estabelecidos nos seus ordenamentos jurídicos, importa afirmar que os serviços de natureza policial estão, implicitamente, vinculados aos tratados internacionais em termos genéricos e específicos, pela necessidade de garantir os direitos dos cidadãos como: direito a vida, direito a não ser torturado, direito a não ser sujeito a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; direito a não-escravatura e servidão, direito de acesso aos tribunais, direito a liberdade de pensamento, consciência e religião; direito a liberdade de reunião e associação, direito a protecção social, direito a igualdade, direito a não-discriminação, direito a vida digna, direito de apresentação de provas para quem acusa, direito a segurança e outros.

Ao nível da realidade africana existem um sistema específico de protecção dos direitos humanos consubstanciados na Convenção Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e que repercute as particularidades do continente africano como: a referência aos valores africanos de civilização, as repercussões da concepção africana do Direito e dos direitos humanos, o papel dedicado aos valores, o reconhecimento de novos direitos e a ausência de um Tribunal dos Direitos do Homem e dos Povos (Martins, 2018, p. 302).

 

Quadro 4 – Sistema africano de direitos humanos[11]

 

N.º

Alguns tratados africanos de protecção dos direitos humanos

Anos da aprovação

1.      

Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ou Carta de Banjul

1981

2.      

Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África ou Protocolo de Maputo

2003

3.      

Carta Africana dos Direitos e do Bem-Estar da Criança

1990

Fonte: elaboração própria.

 

Serviços de natureza policial

 

Serviços de natureza policial é o conjunto de órgãos da administração pública e da sociedade civil que funcionam através de um sistema interligado de trabalho geral ou especial, enquadrado por regras jurídicas, composta por forças, agentes, funcionários e voluntários, cuja acção incide sobre a fiscalização das leis, regulamentos e políticas de procedimentos, emanadas por entidades competentes com vista a manutenção da segurança como um direito fundamental. Os serviços de natureza policial são tão antigos quanto a história da humanidade, porque os homens tiveram sempre a necessidade de viver em grupo e um dos critérios da vida em grupo é a definição de regras que visam reforçar o espírito do grupo e garantir a sua harmonia e sobrevivência. A dimensão do serviço policial surge na necessidade de haver homens que se encarreguem a monitorizar e fiscalizar as regras estatuídas com duas finalidades: garantir a plena adesão dos integrantes do grupo e sancionar os que desrespeitam as regras.

É mister destacar que o serviço policial não é um serviço específico aos corpos de polícia, é transversal, porque existem outras instâncias que fazem parte do sistema de segurança e que partilham informações, estratégias de trabalho e actuação para a manutenção da lei, prevenção e combate ao crime. Estes estão estruturados em três níveis: internacional, regional e nacional.

A nível internacional podem se destacar a Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, Instituto Inter-regional de Pesquisa de Crime e Justiça das Nações Unidas, Iniciativa anticorrupção, Organização Global Contra a Corrupção, Grupo de Acção Financeira sobre Lavagem de Dinheiro, Grupo de Estados contra a Corrupção, Grupo Internacional para a Coordenação Anti-Corrupção, Organização Internacional de Polícia Criminal, Organização Mundial das Alfândegas, Organização Internacional de Controlo dos Estupefacientes, Rede de Informação de Justiça Criminal das Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio e a Iniciativa de recuperação de activos roubados.

A nível da região africana existem as seguintes: União Africano, Estatuto do Mecanismo da União Africana de Cooperação Policial, Rede Parlamentar Africana Contra a Corrupção, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, Organização Regional de Cooperação dos Chefes de Polícia da África Austral, Fórum Africano para a Fiscalização Civil de Actividades Policiais, Plataforma da África Ocidental para os Direitos Humanos e Policiamento, Estados Membros da Organização para a Cooperação dos Chefes de Polícia da África Oriental, Conselho Consultivo da União Africana sobre Corrupção e a Comissão Económica das Nações Unidas para a África.

A nível do contexto angolano existe a Procuradoria-Geral da República, Ministério Público e Procuradoria Militar, Inspecção-Geral da Administração do Estado, Polícia Nacional de Angola, Polícia Judiciária Militar, Serviço de Investigação Criminal, Serviço de Migração e Estrangeiros, Alfandegas, Serviço de Inteligência e Segurança de Estado[12] e o Serviço Penitenciário.

 

Normas de direitos humanos inerentes ao serviço policial

 

É importante referenciar que o serviço policial é tão antigo quanto a história da humanidade e anterior a criação da Liga das Nações (1919) e da Organização das Nações Unidas (1945), daqui subentende-se que a dinâmica de implementação dos vários sistemas formais de promoção e protecção dos direitos humanos surgiram a posterior da criação e institucionalização dos órgãos ou corpos de polícia[13], presente em vários agrupamentos humanos, mas reconhece-se que a implementação dos sistemas formais de direitos humanos permitiu redefinir os parâmetros de actuação policial, humanizar os serviços prestado à sociedade, definir princípios éticos e deontológicos da conduta dos agentes, exigir maior profissionalismo e impor medidas de observância dos direitos fundamentais.

As normas internacionais de direitos humanos inerentes ao serviço policial são normas gerais do Direito Internacional – princípios e práticas com os quais a maior parte dos Estado concordaria – constam, muitas vezes, em declarações, proclamações, regras, directrizes, recomendações, códigos e princípios. Estas normais de nível internacional funcionam como model law para que os demais Estados membros adeqúem suas legislações e estabeleçam parâmetros mínimos para serem adoptados e os deixam livres para que tomem as medidas necessárias de acordo com as suas características, conjuntura social, económica e política e outros pressupostos de pendor ideológico e cultural.

O quadro 3 ilustra as normais internacionais de direitos humanos específicos para os serviços de natureza policial, numa composição de cinco normas destinadas aos fiscais da lei e estabelecem, na generalidade, que todos os funcionários que exercem funções de natureza policial devem respeitar e proteger a dignidade humana e defender os direitos humanos de todas as pessoas. Houve a necessidade de as implementar como matrizes de orientação do exercício das actividades de natureza policial, porque os peritos entendem que a natureza das funções de aplicador da lei, em defesa da ordem pública e a forma como as funções eram exercidas tinha um impacto directo na qualidade de vida dos indivíduos, como também na sociedade como um todo. Ademais, os peritos afirmam que estavam conscientes da importante tarefa que os agentes policiais vêm realizando diligentemente e com dignidade; mas também estavam conscientes, no entanto, do potencial de abuso acarretado pelo exercício de tais deveres.

 

Quadro 3 – Normas internacionais de direitos humanos inerentes ao serviço policial

 

N.º

Normas internacionais de direitos humanos

Ano de aprovação

1.      

Código de Conduta para os funcionários responsáveis pela aplicação da lei

1979

2.      

Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo para Funcionários encarregados da Aplicação da Lei

1990

3.      

Conjunto de Princípios para a protecção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão

1988

4.      

Regras Mínimas para o Tratamento de Presos

1977

5.      

Normas para a aplicação efectiva das Regras Mínimas para o tratamento dos presos

1984

6.      

Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes

1973

Fonte: elaboração própria.

 

Na generalidade, as normas de direitos humanos inerentes ao serviço policial estabelecem premissas básicas da aplicação da lei para múltiplos casos de actuação policial, primeiro, estabelece as premissas de aplicação da lei nos Estados democráticos e a dimensão ética e legal da aplicação da lei. Segundo, destacam as responsabilidades básicas na aplicação da lei, sobretudo, nos casos de prevenção e detenção de crime e a manutenção da ordem pública. Terceiro, esclarecem os poderes básicos de aplicação da lei, com realce para a captura, detenção e uso da força. Quarto, evidenciam as necessidades de cautela com os grupos vulneráveis como: as mulheres, crianças, adolescentes, idosos, vítimas da criminalidade e do abuso de poder, refugiados e deslocados internos. Quinto, estabelecem procedimentos de supervisão e revisão da corporação, bem como da investigação sobre as violações de direitos humanos por parte dos agentes dos serviços de natureza policial.   

O sistema africano dos direitos humanos abre precedentes para o serviço policial porque a própria União Africana tem aprovados alguns diplomas de orientação e afectação (de pendor ético e deontológico) para as agências responsáveis pela aplicação da lei, bem como a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, tal como prova o quadro 5.


Quadro 5 – Normas africanas de direitos humanos inerentes ao serviço policial

 

N.º

Normas africanas de direitos humanos inerentes ao serviço policial

Ano de aprovação

1.      

Directrizes da Comissão Africana para o Policiamento de Locais de Reunião por Entidades Responsáveis pela Aplicação da Lei em África

2017

2.      

Directrizes sobre Condições de Detenção, Custódia Policial e Prisão Preventiva em África

2014

3.      

Princípios relativos à Descriminação de Infracções Menores em África

2017

4.      

Carta dos Direitos Sociais Fundamentais na SADC[14]

2014

5.      

Código de Conduta da Organização

para a Cooperação dos Chefes de Polícia

da África Austral

2011

Fonte: elaboração própria.

 

Nas entre linhas as Directrizes da Comissão Africana para o Policiamento de Locais de Reunião por Entidades Responsáveis pela Aplicação da Lei em África, “trata-se de um instrumento de referência que tem como objectivo resolver problemas relacionados com o usufruto do direito de liberdade de reunião e direitos afins”, pois “(…) visa promover o controlo de locais de reunião em observância de direitos estabelecidos” (Manuela, 2018, pp. 25-26).

As Directrizes sobre as Condições de Detenção, Custódia Policial e Prisão Preventiva em África (Directrizes de Luanda) constituem uma interpretação da Carta Africana que “define as obrigações dos Estados no que respeita aos direitos de todas as pessoas à vida, dignidade, igualdade, segurança, julgamento justo e um poder policial independente” (Kaggwa, 2017). As Directrizes de Luanda promovem a implementação das obrigações mencionadas aos Estados-partes no contexto específico da detenção, custódia policial e prisão preventiva com a finalidade de formular normas, princípios e regras sobre os quais os Governos africanos podem basear as suas leis.

Os Princípios relativos à Descriminação de Infracções Menores em África foi adoptado porque a Comissão Africana releva-se preocupada com a existência de leis vagas e excessivamente amplas que potencialmente visam pessoas com base na sua origem social, estatuto social ou fortuna ao criminalizar actos ou omissões de subsistência e normalmente, estás leis afectam desproporcionalmente as populações mais pobres.

Já o Código de Conduta da Organização para a Cooperação dos Chefes de Polícia da África Austral foi elaborado com o objectivo de harmonizar a conduta das forças policiais que compõem os países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, centrada no respeito e na protecção da dignidade humana, bem como a não-discriminação, respeito pela lei, combate à corrupção e o abuso de poder.

 

Sistema angolano de direitos humanos

 

Angola enquanto Estado Democrático de Direito, possui um sistema interno de direitos humanos centrados não só nos compromissos internacionais assumidos pelo Estado angolano[15], como também centrado na Constituição da República de Angola (CRA).

A CRA define-se como um conjunto de normas e de princípios que presidem à organização governamental e caracterizam o regime político de um Estado (Artigos 1º a 21ª), visa o reforço do reconhecimento e das garantias dos direitos e das liberdades fundamentais (Artigos 22º a 75ª), dos direitos sociais, económicos e culturais (Artigo 76ª a 88ª) com base nos principais tratados internacionais sobre direitos humanos a que Angola já aderiu (Lesarte et al [s.d: 41]).

A CRA estabelece no Artigo 26º os âmbitos dos direitos fundamentais e prescreve na disposição número 2 que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e os tratados internacionais sobre a matéria, ratificados pela República de Angola” (CRA, 2010, p.13). No ponto a seguir (3) prescreve que “na apreciação de litígios pelos tribunais angolanos relativos à matéria sobre direitos fundamentais, aplicam-se os instrumentos internacionais referidos no número anterior, ainda que não sejam invocados pelas partes” (CRA, 2010, p.14); subentende-se que a aplicação dos instrumentos internacionais na apreciação dos litígios, podem ser reclamados e demandados não somente nos tribunais como também nos piquetes de polícia e com vista a garantir a dignidade humana e a igualdade perante a lei entre os implicados (suspeitos e lesados).

Na generalidade, o Estado angolano possui vários órgãos e estruturas de promoção e protecção (transversal) de direitos humanos, de entre os tantos existentes podem se destacar os Tribunais (Constitucional, Supremo e de Contas), o Conselho Superior da Magistratura Judicial, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público, os demais departamentos ministeriais; Ministérios: do Interior, da Defesa e Veteranos da Pátria, da Saúde, da Educação, da Administração do Território e Reforma do Estado, da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, entre outros. Por outro lado, o Estado possui serviços e comissões específicas para as questões pontuais de promoção e protecção dos direitos humanos em Angola.

Como forma de garantir a protecção dos direitos humanos e adopção de mecanismos de monitoria voltados à implementação dos direitos internacionais assegurados, o Estado angolano aglutinou a pasta de direitos humanos ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, com a qualidade de departamento ministerial auxiliar do Presidente da República que visa assegurar o funcionamento adequado do sistema de administração de justiça e promover os direitos humanos nos diversos domínios[16] . Dentro das suas competências este ministério coordena: duas comissões nacionais que asseguram e coordenam acções de promoção e protecção de direitos humanos a nível nacional, tal como ilustra o quadro 6.

 

Quadro 6 – Serviço e Comissões específicas do sistema nacional de direitos humanos

 

N.º

Serviço e Comissões específicas nacionais de direitos humanos

Ano de aprovação

1.      

10ª Comissão Parlamentar dos Direitos Humanos, Petições, Reclamações e Sugestões dos Cidadãos

----

2.      

Provedoria da Justiça

2006

3.      

Comissão Intersectorial para Elaboração do Relatório Nacional dos Direitos Humanos[17];

2014

4.      

Comissão Interministerial contra o Tráfico de Seres Humanos[18].

2014

Fonte: elaboração própria.

 

O sistema angolano de direitos humanos é coordenado ao nível estratégico pelo titular do poder executivo e a coordenação técnica está a cargo do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, através da CIERNDH e da CICTSH. Ao nível das províncias este serviço é assegurado pelos Comités Locais de Direitos Humanos[19] que funcionam como uma estrutura intersectorial, informalmente, inserida na orgânica do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, para implementar o Plano de Execução da Estratégia Nacional de Direitos Humanos e demais políticas de promoção, defesa e protecção dos direitos humanos nas respectivas circunscrições territoriais de âmbito provincial, municipal e comunal. Os Comités Locais de Direitos Humanos são órgãos mistos, obedecem a seguinte estrutura: a) Comités Provinciais dos Direitos Humanos[20] e b) Comités Municipais e Comunais de Direitos Humanos[21].

Entende-se por plano de desenvolvimento, o conjunto de disposições sistemáticas de gestão e coordenação de estratégias de governação necessárias para delinear e fomentar o sistema de desenvolvimento a curto, médio e longo prazo. Neste campo, Angola possui um Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) com “(…) um carácter prospectivo e plurianual, abrange os níveis nacional, sectorial e provincial de planeamento, e implementa as opções estratégicas de desenvolvimento a longo prazo do País” (MEP, 2018). As políticas estratégicas do PDN estão estruturadas em 83 programas de acção, que representam a dimensão tácita do plano e que são implementados através de actividades e/ou projectos. A coordenação de políticas estratégica e sistemática de direitos humanos estão enquadradas no PDN através de programas, objectivos estratégicos e acções prioritárias. O quadro 7 ilustra os programas de governo que promovem e protegem os direitos humanos e a relação que a temática tem com as grandes áreas do desenvolvimento de Angola.

 

Quadro 7 – Programas de governação que contemplam os direitos humanos nas suas políticas

 

N.º

Programas

1.      

Programa 3.3.3. Melhoria do Saneamento Básico

2.      

Programa 3.4.1. Desenvolvimento de Infra-estruturas de Telecomunicações e Tecnologias de Informação

3.      

Programa 4.1.2. Promoção da Cidadania e da Participação dos Cidadãos na Governação

4.      

Programa 4.2.3. Reforma e Modernização da Administração da Justiça

5.      

Programa 4.2.4. Reforço do Combate ao Crime Económico, Financeiro e à Corrupção

6.      

Programa 6.2.1. Reforço do Combate à Criminalidade e à Delinquência

7.      

Programa 6.3.2. Reforço da Projecção de Angola no Exterior

Fonte: MEP (2018).

 

            Dos programas a cima mencionados existe o Programa 4.2.3. Reforma e Modernização da Administração da Justiça que pode ser considerado como o programa central de promoção e protecção de direitos humanos em Angola, está sob a égide do departamento ministerial que tutela a Justiça e os Direitos Humanos e que coordena, tecnicamente, as comissões específicas de direitos humanos em Angola. Com vista a materializar o programa em referência, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos submeteu ao Conselho de Segurança Nacional a Estratégia Nacional dos Direitos Humanos que foi aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 100/20 de 14 de Abril. Nesta senda, a política de direitos humanos em Angola passou a ser “(…) matéria de segurança nacional, merecendo análises e avaliações periódicas nas reuniões do Conselho de Segurança Nacional”.

Os objectivos que a “Estratégia Nacional dos Direitos Humanos 2018-2022” pretende atingir são os seguintes:

¾    Tornar Angola numa referência internacional em direitos humanos, mediante a consolidação do seu compromisso junto das organizações internacionais de direitos humanos (Organização das Nações Unida, União Africana, União Europeia e SADC).

¾    Reforçar a capacidade interna em termos de auto-avaliação, denúncia, condenação e correcção das próprias falhas a nível nacional, num processo conducente à “maioridade nacional em direitos humanos”, diminuindo o “paternalismo” externo com que, por vezes, Angola é orientada, avaliada, denunciada e condenada por organizações de direitos humanos consideradas independentes.

 

A gestão da problemática dos direitos humanos na estratégia é subdividida em três categorias diferentes:

a)     Gestão Administrativa Pública dos Direitos Humanos;

b)     Gestão Jurídica dos Direitos Humanos;

c)     Gestão Política dos Direitos Humanos.

 

No âmbito do enquadramento institucional de direitos humanos, a Polícia Nacional de Angola (PNA) aparece na segunda linha de força e como o terceiro órgão estratégico de gestão jurídica dos direitos humanos em Angola, antecedido pelos Tribunais e pela Procuradoria-Geral da República, devendo desenvolver acções como: promover a educação em direitos humanos envolvendo as instituições de formação, reforçar o diálogo com a sociedade civil, melhorar a relação com os órgãos responsáveis pela administração da justiça e aplicação da lei com os cidadãos, resgatar a autoridade moral da instituição, assegurar o exercício da cidadania e a observância dos direitos humanos, entre outros.

Para melhor situar os princípios orientadores da actuação do executivo em matéria de direitos humanos, por referência aos instrumentos directores da política governativa nacional, o titular do poder executivo, no exercício das suas funções, aprovou o Plano de Acção Nacional para prevenir e combater o Tráfico de Seres Humanos em Angola, através do Decreto Presidencial n.º 31/20, de 14 de Fevereiro.

 

PNA no sistema angolano de direitos humanos

 

A PNA é uma corporação dotada de força militarizada e armas de vários tipos e calibres, cuja actuação tem respaldo legal em vários instrumentos do ordenamento jurídico angolano e tem por objecto a manutenção da segurança pública e o combate à criminalidade. Sendo uma corporação parte do sistema de segurança nacional e com responsabilidades objectivas na política de segurança nacional, tem a missão de garantir o asseguramento e protecção das instituições, o exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos nos termos da CRA e da lei. De entres as várias leis existentes que legitimam a actuação policial, o quadro 8 ilustra algumas leis e regulamentos que (1) definem parâmetros de actuação da PNA e dos seus agentes, (2) responsabilizam disciplinar e criminalmente os casos de actuação fora dos ditames institucionais, com sanções que passam pela: repreensão simples e registadas, multa, aquartelamento, despromoção, demissão, entre outras.

 

Quadro 8 – Legislações inerentes a actuação da PNA

N.º

Legislações inerentes a PNA

1.      

Constituição da República de Angola

2.      

Lei de Segurança Nacional

3.      

Lei de Bases sobre a Organização e Funcionamento da Polícia Nacional de Angola

4.      

Lei dos Crimes Militares

5.      

Lei dos Postos e Distintivos da Polícia Nacional de Angola

6.      

Estatuto Orgânico da Polícia Nacional de Angola

7.      

Regulamento sobre o Regime Disciplinar do Pessoal da Polícia Nacional de Angola

Fonte: elaboração própria.

 

A PNA é parte do sistema nacional de direitos humanos porque (1) é membro da CIERNDH e (2) membro da CICTSH, (3) sistematicamente está representado nos Comités Provinciais de Direitos Humanos, (4) é o segundo signatário do Protocolo de Cooperação entre o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos e o Ministério do Interior em matéria de direitos humanos, celebrado a 6 de Julho de 2018, (5) tem acções e afectações para desenvolver na Estratégia Nacional dos Direitos Humanos aprovada pelo Decreto Presidencial n.º 100/20 de 14 de Abril e (6) tem acções e afectações para desenvolver no Plano de Acção Nacional para prevenir e combater o Tráfico de Seres Humanos em Angola aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 31/20 de 14 de Fevereiro.  

Um outro indicador anterior a todos acima mencionados que vincula a PNA nos sistemas de direitos humanos, está consagrada na disposição número 1 do Artigo 210º da CRA e prescreve que “a Polícia Nacional [de Angola] é uma instituição nacional policial, permanente, regular e apartidária, organizada na base da hierarquia e da disciplina, incumbida da protecção e asseguramento policial do País, no estrito respeito pela Constituição e pelas leis, bem como pelas convenções internacionais de que Angola seja parte”. O último trecho deste artigo evidencia que a acção e actuação da corporação policial angolana e dos seus respectivos agentes, devem ser materializadas em conformidade com os tratados internacionais que estabelecem os princípios transversais de direitos humanos e da CRA que estabelece os princípios nacionais.

A PNA está vinculada na Estratégia Nacional dos Direitos Humanos a partir de vários programas específicos como:

a)     Reforço da articulação e parceria com a Sociedade Civil pela necessidade de se criar um sistema de alerta e fiscalização para a denúncia de casos de violação dos direitos humanos;

b)     Formação e educação em direitos humanos pela necessidade de formar/capacitar em direitos humanos os órgãos que intervém na aplicação da lei;

c)     Programa de acções para promoção de uma cultura dos direitos humanos pela necessidade de realizar seminário, workshop e debates para a promoção dos direitos humanos de forma sectorizada (no contexto das gerações de direitos humanos);

d)     Reforço do combate ao tráfico de seres humanos pela necessidade de reforçar a luta contra o tráfico de seres humanos, formar técnicos e especialistas de combate ao tráfico, criar uma base de dados estatística, divulgar as leis e regulamentos sobre o assunto;

e)     Reforço da presença de Angola nas principais instituições internacionais dos direitos humanos, pela necessidade de participar em diferentes sessões ordinárias do Conselho de Direitos Humanos e da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos;

f)      Reforço das actividades da CIERNDH, pela necessidade de elaborar atempadamente todos os relatórios de direitos humanos (geral e específico) sobre os tratados dos quais Angola é Estado-parte;

g)     Intensificação do alinhamento de Angola com os princípios de direitos humanos, pela necessidade de alinhar as políticas públicas com os padrões internacionais de direitos humanos;

h)     Reforço do diálogo com a União Europeia, Reino Unido, Noruega, Estados Unidos da América e demais parceiros no âmbito dos direitos humanos, pela necessidade de reforçar o diálogo com os parceiros-chave, a nível internacional, no âmbito dos direitos humanos.

 

Dinâmicas de promoção dos direitos humanos na PNA

 

Tendo a Direcção do Comando Geral da PNA tomado consciência da responsabilidade estratégica dos direitos humanos para o desenvolvimento do país, constituiu internamente grupos de trabalho para estudar e analisar a inserção da PNA no sistema nacional de direitos humanos, este acto foi consumando com a celebração de um protocolo de cooperação.

O protocolo de cooperação foi celebrado entre o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos (1º signatário) representado pela Secretária de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania e o Ministério do Interior (2º signatário) representado pelo Comandante Geral da PNA, a 6 de Julho de 2018, pelas 12h00, no salão nobre do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.

Os principais domínios da cooperação entre ambas instituições são:

a)         Realização de cursos de formação de formadores em matéria de direitos humanos, destinados aos técnicos do 2.º signatário;

b)         Promoção de acções conjuntas de educação em matéria de direitos humanos;

c)         Promoção de intercâmbio regular de informação em matéria de direitos humanos, constantes nos documentos de natureza diversa, provenientes de organismos regionais e internacionais de que Angola é parte;

d)         Auxílio na dinamização de políticas inerentes à promoção e protecção de direitos humanos por parte do 2.º signatário;

e)         Inclusão de efectivos do 2.º signatário nas diversas comissões de trabalho relacionadas com as matérias de direitos humanos.

 

Após a celebração do protocolo de cooperação, o Comando Geral da PNA gizou um despacho que inclui os efectivos da PNA nas comissões de trabalho, coordenados pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, nomeadamente, a CIERNDH e a CICTSH. E de modo a sistematizar o trabalho feito pelos representantes da PNA nas duas comissões de trabalho, propôs-se também a criação de uma comissão interna para as questões dos direitos humanos na PNA, entretanto, no uso das suas competências conferidas pelo Artigo 9º do Estatuto Orgânico da PNA, aprovado pelo Decreto 20/93, de 11 de Junho. O Comandante Geral da PNA, determinou (através do Despacho 049 GAB.CGPN/2018, de 20 de Agosto) a criação da Comissão dos Direitos Humanos da PNA, como uma instância de trabalho prático, direccionado e transversal, responsável pela promoção e monitorização das políticas dos direitos humanos na PNA, no estrito respeito pela Constituição, pelas leis e pelas convenções internacionais de que Angola seja parte.

A finalidade da Comissão dos Direitos Humanos é de assegurar e coordenar a participação da PNA nas diferentes comissões nacionais sobre os direitos humanos, participar nos debates sobre a  elaboração e implementação de novas leis que visam fortalecer as garantias e liberdades fundamentais, bem como realizar acções formativas para os efectivos da corporação, o intercâmbio de informações em matéria dos direitos humanos constantes de documentos de natureza diversa, provenientes dos órgãos regionais e internacionais, a participação nas diferentes comissões existentes sobre os direitos humanos.

Com o propósito de assegurar o protocolo de cooperação de 6 de Julho de 2018, e através dela promover, nacional e internacionalmente, a imagem da PNA, enquanto instituições de bem, incumbida da protecção e asseguramento policial do País, das instituições, dos cidadãos e respectivos bens e dos direitos e liberdades fundamentais; a PNA elaborou uma estratégia interna de direitos humanos. Resumidamente, esta estratégia além de procurar conformar os diplomas e as responsabilidades do Estado nas acções policiais, é antecedida de um diagnóstico do tipo SWOT, que estabeleceu os dois âmbitos de trabalho especializados: a promoção dos direitos humanos e a monitorização dos direitos humanos e seus respectivos meios de actuação.

Num momento em que a PNA passa por um processo de restruturação e readaptação face aos novos desafios imposto ao País, a 24 de Agosto de 2020, o Conselho Superior de Polícia, enquanto órgão de apoio consultivo do Comandante Geral da PNA, previsto no Artigo 12º do Decreto Presidencial n.º 152/19 de 15 de Maio, pronunciou-se favoravelmente sobre a necessidade de a corporação institucionalizar um Departamento de Direitos Humanos na Direcção de Educação Patriótica, uma vez que este serviço vinha trabalhando em regime experimental, desde o ano de 2012. Tal pretensão consumou-se através do Despacho n.º 58/GAB.CGPNA/2020 de 22 de Outubro que aprova o Regulamento Orgânico da Direcção de Educação Patriótica da PNA que contempla nas combinações dos Artigos 6º e 14ª, o Departamento de Direitos Humanos como um serviço executivo, composto por duas Seccões, sendo a de Promoção de Direitos Humanos e a de Monitorização Interna dos Mecanismos de Direitos Humanos.

 

Tabela 1 - Extrato do quadro de pessoal do Departamento de Direitos Humanos

 

DEPARTAMENTO DE DIREITOS HUMANOS

QUADRO POLICIAL

QUADRO CIVIL

QTD

CATEGORIA

QTD

CATEGORIA

Chefe de Departamento

1

Oficial Superior

 

 

Chefe da Secção de Promoção de Direitos Humanos

1

Oficial Superior

 

 

Oficial/Especialista de Promoção de Direitos Humanos

2

Oficial Subalterno

 

 

Oficial/Especialista de Educação Para Cidadania

1

Oficial Subalterno

 

 

Chefe da Secção de Monitorização Interna dos Mecanismos de Direitos Humanos

1

Oficial Superior

 

 

Oficial/Especialista de Monitorização de Políticas e Programas

1

Oficial Subalterno

 

 

Oficial/ Especialista de Monitorização das Violações de Direitos Humanos

1

Oficial Subalterno

 

 

Oficial/ Especialista de Elaboração de Relatórios Especiais de Direitos Humanos

1

Oficial Subalterno

 

 

Oficial/Especialista de Tráfico de Seres Humanos e Contrabando

1

Oficial Subalterno

 

 

Subtotal

10

 

 

 

Fonte: Despacho n.º 058/GAB.CGPNA/2020.

 

Desafios

 

1.     Os desafios de direitos humanos para a PNA passam pela necessidade de incluir disciplinas e módulos de direitos humanos em todos os cursos promovidos para as forças policiais, adaptados a conjuntura policial angolana, mormente, na complexidade das várias especialidades profissionais (segurança pública, investigação criminal e protecção e intervenção), bem como cursos de pós-graduação, a saber:

a)     Curso de formação de instruendos: “Noções básicas de Direitos Humanos e Aplicação da Lei”;

b)     Cursos de especialidade policial adaptados aos ramos doutrinários de polícia (segurança pública, investigação criminal e protecção e intervenção), cujos temas de direitos humanos, versem sobre actividades prática e diária das forças (abordagem ao cidadão, intervenção preventiva e repressiva, asseguramento rodoviário, fiscalização aduaneira, segurança pessoal e de entidades protocolares, segurança de objectivos estratégicos, entre outros);

c)     Curso de pós-graduação em lato sensu sobre “Polícia e Direitos Humanos” (centrados nas directrizes da ONU, União Africana e SADC sobre o trabalho policial), destinada a profissionais que pretendem aperfeiçoar as suas competências de aplicação prática, mudar de área ou se adaptar a um novo cargo dentro da corporação e facilitar a ascensão na carreira;

d)     Curso de pós-graduação em stricto sensu sobre “Direito Internacional dos Direitos Humanos” que promova o estudo e a investigação em direitos humanos na PNA.

2.     Elaborar manuais específicos de direitos humanos para os diferentes grupos alvos (instruendos e efectivos de especialidades específicas);

3.     Dinamizar as acções sobre os direitos humanos aos distintos níveis de Comando;

4.     Promover os direitos humanos por tripla via: pedagógica (aulas curriculares e académica), andragógica (palestras, seminários, jornadas, conferências, workshops e outros) e de propaganda interna (pósteres, panfletos, cartazes, dísticos e cartilhas);

5.     Realizar acções de consultoria em direitos humanos aos distintos Directores, Comandantes e Chefes;

6.     Elaborar relatórios especiais de direitos humanos na PNA (realçando as acções da polícia que garantam os direitos dos cidadãos virtuosos);

7.     Convidar entidades e personalidades para servirem de mascote nas campanhas que visem a ser adoptadas pela PNA no âmbito da promoção de acções sobre os direitos humanos;

8.     Incluir no pacote de formação das forças policiais a linguagem gestual de formas a facilitar a comunicação entre os efectivos e grupos especiais de pessoas com problemas de mudez e surdez, apesar de deficiência podem conduzir automóveis e se dirigir aos piquetes para apresentar queixa ou solicitar informação ou ajuda;

9.     Construir rampas de acesso e corrimão aos piquetes da polícia para facilitar o acesso as pessoas portadoras de deficiência física, calçadas no interior e parte frontal das unidades territoriais (comandos municipais, esquadras e postos policiais) para as pessoas portadoras de deficiência visual e cadeirantes;

10.  Ter em atenção a emancipação do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) porque a afirmação destes implica a necessidade de melhorar alguns serviços, como celas especiais nas unidades territoriais, sem olvidar o grupo de pessoas vulneráveis;

11.  Monitorizar o movimento dos povos nómadas de formas a garantir a segurança destes e a integridade do território face aos outros povos que partilham o mesmo espaço sociocultural, mas que, política e administrativamente, vivem em territórios distintos.

 

Considerações finais

 

            A intenção de compreender a necessidade institucional dos serviços de natureza policial no contexto dos direitos humanos permitiu aferir que as dinâmicas de direitos funcionam como um sistema interligado e interdependente (com as suas características específicas: universalidade, indivisibilidade, inalienabilidade, não-discriminação, participação e inclusão), e considerado como um todo, por promover e proteger um conjunto de direitos colectivos que visam assegurar a liberdade e a dignidade de todos os seres humanos; bem como a paz, a solidariedade e a igualdade entre os seres humanos.

            A finalidade dos serviços policiais visa a manutenção da ordem e segurança das pessoas e dos bens, na preservação dos valores, na garantia da coesão social e da justiça, porque o papel da polícia é em primeira instância, preventivo, segundo persuasivo, terceiro impeditivo e em último repressivo. A lógica dos direitos humanos consiste em garantir os direitos consagrados aos cidadãos e estabelecer as obrigações dos Estados e governos na garantia destes direitos. Sendo as corporações policiais órgãos estratégicos dos Estados, acoplam as obrigações de conformar a sua actuação a luz das directrizes de protecção dos direitos humanos com a menor margem de erros possíveis.

            As dimensões dos tratados de direitos humanos ao definirem os parâmetros de protecção dos direitos específicos aos sectores de especialidade, instituem órgãos de protecção que monitorizam, avaliam e redefinem a implementação de direitos nos Estados-partes, sendo os corpos de polícias os garantes destes direitos não ficam de parte, por terem responsabilidades específicas na garantia destes direitos, tanto mais que as directrizes de aplicação da lei procuram conformar o máximo possível a prossecução do interesse público.

            A materialização dos desafios que a polícia angolana enfrenta em torno dos direitos humanos, não descarta a reorganização funcional de formas a ter uma estrutura que torna fluida a dimensão ética e doutrinaria dos direitos humanos na capacitação institucional, com meios de actuação que facilitem o asseguramento policial do país, em paridade com os procedimentos de protecção dos direitos dos cidadãos contra as condutas que perigam o bem-estar comum.

 

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Despacho n.º 058/GAB.CGPNA/2020, de 22 de Outrubro: Aprova o Regulamento Orgânico da Direcção de Educação Patriótica da Polícia Nacional de Angola, Luanda: Gabinete do Comandante Geral da Polícia Nacional de Angola.

 

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Luanda, Novembro de 2020.



[1] 2021: “Serviço Policial no Contexto dos Direitos Humanos”. In Direitos Humanos em Angola: Cooperação e Desafios – Colectânea de Artigos Científicos, Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos; Embaixada do Reino da Noruega em Angola (Org.): Luanda: Palavra&Arte, p. 282-312.

[2] Em gesto de contribuição Agnelo Carrasco (2005, pp. 21-46) num primeiro momento destaca alguns escritos proto-jurídicos de direitos humanos como: o Livro dos Mortos, Código de Hamurábi, Decálogo (10 mandamentos), Beatitudes (Bem-Aventuranças), Declaração de Virgínia e a Declaração de Independência (Estados Unidos da América). Num segundo momento destaca algumas declarações e outros documentos nacionais que tiveram impacto internacional e serviram de base para formalização de um entendimento global de direitos humanos. Na Inglaterra surgiu a Coronation Charter, Magna Carta Libertatum, Petição dos Direitos (Petition of Rights), Declaração dos Direitos (Bill of Rights) e Habeas Corpus. Nos Estados Unidos da América surgiram a Declaração dos Direitos do Bom Povo de Virgínia, Declaração da Independência Americana e a Declaração das “quatro liberdades” de Roosevelt. A França com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Declaração de 23 de Junho de 1793, Declaração de 29 de Maio de 1795, Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão de 22 de Agosto de 1795 e a Carta de Amies. O México com a Constituição de 31 de Janeiro de 1917. A Rússia com a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado. A Alemanha com a Constituição de Weimar e por último a Checoslováquia com a Carta 77.

[3] “Direito Positivo: normas ou leis que fazem os legisladores dos Povos para que haja ordem e respeito na vida em sociedade” (Chacachama et al, 2009, p. 15).

[4] “Direito Natural: o que está inscrito na natureza (…) das Pessoas, pelo próprio facto de serem Pessoas, independentemente do lugar onde nasceram ou do País onde vivem. Este Direito Natural é que serve de base do Direito Positivo” (Chacachama et al, 2009, p. 15-16).

[5] Pérez partilha do mesmo ponto de vista quando afirma que Direitos Humanos “são aqueles direitos (…) que todas as pessoas gozam pelo simples facto de ser[em] humanos” ([s.d.], p.13).

[6] “É geralmente aceite que a etimologia do termo polícia radica na palavra grega “políteía”, ligando-a desde logo às ideias de “cidade” como conjunto de cidadãos organizados e de “arte de governar” esse mesmo conjunto, próxima pois da política” (Alves, 2008, p. 36).

[7] “Por sistema de cooperação intergovernamental entende-se um sistema dominado pelos Estados, que se baseia em relações de cooperação entre eles e não em relações de subordinação. Isto é, não existe uma entidade suprema que produza o Direito e que seja capaz de o aplicar coercivamente” (Martins, 2018, p. 121).

[8] Parafraseando Perez (s.d., pp. 105-106) os mecanismos convencionais de protecção de direitos humanos “(…) são assim chamados porque foram estabelecidos através de conve-nções” Exemplo: Comité de Direitos Humanos, Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Comité contra a Tortura ou Outros Tratamento Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Comité sobre a Eliminação de Tortura as Formas de Discriminação Racial, Comité sobre os Direitos da Criança e Comité sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

[9] Perez (s.d., p. 105) defende que o mecanismo extra-convencional é “baseado na Carta das Nações Unidas”, o seu mecanismo principal é a Revisão Periódica Universal.

[10] O conjunto de instrumentos jurídicos internacionais de direitos humanos também podem ser designados por tratados de direitos humanos e são constituídos por: Declarações, Pactos e Convenções e seus protocolos adicionais.

[11] A par dos tratados constantes no quadro 4, a União Africana adoptou uma série de tratados relevantes para a promoção e protecção dos direitos humanos em África. No leque destes instrumentos incluem: Documento de Adis Abeba sobre Refugiados e a Deslocação Forçada das Populações em África de 1994, Protocolo sobre o Estabelecimento do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos de 1997, Convenção sobre a Prevenção e Combate ao Terrorismo de 1999, Protocolo sobre o Parlamento Pan-Africano 2001, Protocolo sobre o Conselho de Paz e Segurança 2002, Estatuto do Conselho Económico, Social e Cultural de 2004, Convenção sobre a Conservação da Natureza e Recursos Naturais ou Convenção de Argel de 2003, Convenção sobre a Prevenção e Combate à Corrupção 2003, Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação de 2007, e Convenção para a Protecção e Assistência de Deslocados Internos 2009, Convenção da União Africana sobre a Protecção e Assistência as Pessoas Deslocadas Internamente em África ou Convenção de Kampala de 2009, Convenção da União Africana sobre Cibersegurança e Protecção de Dados Pessoais de 2014. A Comissão Africana também adoptou várias declarações e resoluções relevantes para a compreensão e o avanço das disposições da Carta Africana.

[12] O Serviço de Migração e Estrangeiros, as Alfandegas e o Serviço de Informação de Segurança do Estado desempenham serviços de natureza policial que passam pelas competências de investigação, instrução processual e partilha de informações em matéria de segurança a par das tarefas que lhes são peculiares como prova Martins (2010, pp. 52-53).

[13] “A maioria dos órgãos de aplicação da lei, de maneira geral, são sistemas fechados, estritamente hierárquicos. Sua estrutura é freqüentemente quase militar, assim como seu sistema de patentes. Operam normalmente obedecendo a uma cadeia rígida de comando, com separações estritas de poder e autoridade, na qual o processo de tomada de decisões é feito de cima para baixo” (Rover, 2005, p. 156).

[14] Sigla em inglês de “Southern Africa Development Community” que traduzida em português equivale a “Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral”.

[15] Os tratados internacionais já ratificados pelo Estado angolano são: Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres em 1986, Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças em 1990, Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos em 1992, Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais em 1992, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (apenas assinado 2013 e não ratificado), Convenção Internacional contra a Tortura ou outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes em 2019, Convenção Internacional para a Protecção Contra o Desaparecimento Forçado e Involuntário (apenas assinado 2013 e não ratificado), Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em 2013.

[16] Decreto Presidencial n.º 77/18 de 15 de Março, que aprova o Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.

[17] A título de informação é relevante referir que a Comissão Intersectorial para a Elaboração de Relatórios Nacionais sobre os Direitos Humanos (CIERNDH) foi criada por Despacho Presidencial n.º 191/14 de 2 de Outubro, cuja coordenação técnica é tutelada pelo Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos e integra como representantes a Procuradoria-Geral da República, Ministério das Relações Exteriores, Ministério do Interior, Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial, Ministério da Administração do Território, Ministério da Economia, Ministério da Assistência e Reinserção Social, Ministério da Comunicação Social, Ministério da Família e da Promoção da Mulher, Ministério do Urbanismo e Habitação, Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Ministério do Ambiente, Ministério da Cultura, Secretaria para os Assuntos Judiciais e Jurídicos do Presidente da República, Instituto Nacional da Criança, Instituto Nacional de Estatística e Ministério da Agricultura. Foi atribuída a responsabilidade ao coordenador da CIERNDH de convidar entidades civis e estatais sempre que se mostre necessário, cujo objectivo visa aprimorar o sistema de integração dos Departamentos Ministeriais e Organismos relevantes para a realização das suas atribuições: concepção de planos de acções, realização de reuniões de concertação com todos os organismos do Estado, recolha de informação complementar dos sectores governamentais e da sociedade civil, triagem de informação recolhida e compilação dos textos, elaboração de relatórios periódicos sobre os direitos humanos. Os relatórios periódicos elaborados pela comissão são homologados, cunhados pelo coordenador da mesma e aprovados pelo titular do poder executivo antes de serem submetidos às instituições regionais e internacionais.

[18] A Comissão Interministerial contra o Tráfico de Seres Humanos (CICTSH) foi criado ao abrigo do Despacho Presidencial n.º 235/14 de 2 de Dezembro, com o objectivo de garantir a protecção, a assistência, a recuperação, a reabilitação, a reinserção no seio da sociedade de vítimas e combate de tráfico de seres humanos e de todas as práticas que lesem a integridade da pessoa humana num estado democrático e de direito, bem como valorizar a dignidade de cada cidadão e garante o respeito pelos direitos individuais, promovendo assim a dignidade humana e protegendo os cidadãos de qualquer ameaça de violência e exploração, eliminando o tráfico de seres humanos e reduzindo as pressões para a migração involuntária e servidão de pessoas. A CICTSH é coordenada tecnicamente pelo Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos e integra outras entidades como: o Ministro da Assistência Reinserção Social (Coordenador-Adjunto); Ministro da Relações Exteriores, Ministro do Interior, Ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social; Ministra da Família e Promoção da Mulher, Ministro da Juventude e Desporto. O grupo técnico da comissão é apoiado pelos representantes das seguintes entidades: Procuradoria-Geral da República, Polícia Nacional, Instituto Nacional da Criança, Conselho Nacional da Juventude e no leque de atribuições consta a necessidade de formulação de um programa para prevenir e reprimir o tráfico de seres humanos, elaboração de normas e regulamentos, monitoramento da estratégia de combate ao tráfico de seres humanos, realização de campanhas de divulgação de informações, entre outras tarefas de relevância específicas.

[19] Criados ao abrigo do Decreto Executivo n.º 240/20 de 2 de Outubro.

[20] Os órgãos representados são Delegado Provincial da Justiça e dos Direitos Humanos (Coordenador), Representante do Governador Provincial, Representante da Delegação Provincial do Interior, Representantes das Direcções Provinciais dos Ministérios da Educação, Saúde, Assistência e Reinserção Social, Família e Promoção da Mulher, Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, Cultura, Justiça e dos Direitos Humanos, Serviço Provincial do Instituto Nacional da Criança, Ordem dos Advogados de Angola, Organizações da Sociedade Civil, Confissões Religiosas reconhecidas e Autoridades Tradicionais.

[21] A orgânica dos Comités Municipais e Comunais dos Direitos Humanos são compostos de acordo com as caracte-rísticas específicas da respectiva área de jurisdição, podendo ter como referência a estrutura orgânica dos Comités Provinciais.


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